quarta-feira, julho 29, 2009

"LIBERDADE É POUCO. O QUE EU DESEJO AINDA NÃO TEM NOME." (C.L.)

Minha amiga e companheira de luta Talitha me mandou este email há um tempo atrás. Já li e reli, já conhecia a Escola da Ponte de outros tempos. E diante da minha insatisfação com a nossa (des)educação, o meu desejo de algo - que ainda não tem nome - e a minha intenção em largar a escola e fazer um tour mundo à fora, que inclui no roteiro alguns meses de estudo e estadia na Escola da Ponte, em Portugal, publico aqui a entrevista. Para ver se ilumina algumas pessoas. Quem sabe?

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"Trabalho há mais de 30 anos com escola que não tem aula, série e prova, e dá certo", diz educador português

Simone Harnik
Em São Paulo

http://educacao.uol.com.br/ultnot/2009/06/30/ult105u8320.jhtm

Idealizador da Escola da Ponte, em Portugal, instituição que, em 1976, iniciou um projeto no qual os estudantes aprendem sem salas de aula,divisão de turmas ou disciplinas, o educador português José Pachecoafirma que as escolas tradicionais são um desperdício para os estudantes e os professores.

"O que fiz por mais de 30 anos foi uma escola onde não há aula, onde não há série, horário, diretor. E é a melhor escola nas provasnacionais e nos vestibulares", diz. "Dar aula não serve para nada. É necessário um outro tipo de trabalho, que requer muito estudo, muito tempo e muita reflexão.

"O formato tradicional das escolas está ultrapassado? Opine

Aos 58 anos, o professor que classifica autores como Jean Piaget como"fósseis", fez uma peregrinação pelo país. No trabalho de prospecçãode boas iniciativas em colégios brasileiros, Pacheco só não conheceuinstituições do Acre e do Amapá e diz ter somado cerca de 300 voos noúltimo ano.

Com a experiência das viagens, escreveu dois livros de crônicas: o"Pequeno Dicionário de Absurdos em Educação", da editora Artmed, e o"Pequeno Dicionário das Utopias da Educação", da editora Wak. Apontaainda que a educação brasileira não precisa de mais recursos paramelhorar: "O Brasil tem tudo o que precisa, tem todos os recursos e osdesperdiça". Veja a entrevista:

O educador português José Pacheco

UOL Educação - Em suas andanças pelo país, qual o absurdo que maischamou sua atenção?
Pacheco - O maior absurdo é que a educação do Brasil não precisa de recursos para melhorar. O Brasil tem tudo o que precisa, tem todos os recursos e os desperdiça.

UOL Educação - Desperdiça como?
Pacheco - Pelo tipo de organização. A começar pelo próprio Ministério da Educação. Eu brinco, por vezes, dizendo que o melhor que se poderia fazer pela educação no Brasil era extinguir o Ministério da Educação. Era a primeira grande política educativa.

UOL Educação - Qual o problema do ministério?
Pacheco - Toda a burocracia do Ministério da Educação que se estende até a base, porque a burocracia também existe nas escolas, à imagem esemelhança do ministério. No próprio ministério, o contraste entre autopia e o absurdo também existe. Conheço gente da máxima competência, gente honesta. O problema é que, com gente tão boa, as coisas não funcionam porque o modo burocrático vertical não funciona. É umdesperdício tremendo.

UOL Educação - Como resolver?
Pacheco - Teria de haver uma diferente concepção de gestão pública, uma diferente concepção de educação e uma revisão de tudo o que é o trabalho.

UOL Educação - O que teria de mudar na concepção de educação?
Pacheco - O essencial seria que o Brasil compreendesse que não precisair ao estrangeiro procurar as suas soluções. Esse é outro absurdo. Quais são hoje os autores que influenciam as escolas? Vygotsky [Lev S.Vygotsky (1896-1934)], Piaget [Jean Piaget (1896-1980)]? Não vejo um brasileiro. Mas podem dizer: "E Paulo Freire?". Não vejo Paulo Freire em nenhuma sala de aula. Fala-se, mas não se faz. Identifiquei, nos últimos anos, autores brasileiros da maior importância que o Brasil desconhece. Esse é outro absurdo. Quem é que ouviu falar de Eurípedes Barsanulfo (1880-1918)? De Tomás Novelino(1901-2000)? De Agostinho da Silva (1906-1994)? Ninguém fala deles. Como um país como este, que tem os maiores educadores que eu jáconheci, não quer saber deles nem os conhece? Há 102 anos, em 1907, o Brasil teve aquilo que eu considero o projeto educacional mais avançado do século 20. Se eu perguntar a cem educadores brasileiros, 99 não conhecem. Era em Sacramento, Minas Gerais, mas agora já não existe. O autor foi Eurípedes Barsanulfo, que morreu em 1918 com a gripe espanhola. Este foi, para mim, o projeto mais arrojado do século 20, no mundo.

UOL Educação - O que tinha de tão arrojado?
Pacheco - Primeiro, na época, era proibida a educação de moços e moças juntos. Só durante o governo Getúlio Vargas é que se pôde juntar os dois gêneros nos colégios. Ele [Barsanulfo] fez isso. Ele tinha pesquisa na natureza, tinha astronomia no currículo oficial. Não tinha série nem turma nem aula nem prova. E os alunos desse liceu foram aelite de seu tempo. Tomás Novelino foi um deles e Roberto Crema, que hoje está aí com a educação holística global, foi aluno de Novelino.

UOL Educação - Por que o senhor fala desses autores?
Pacheco - Digo isso para que o brasileiro tenha amor próprio, compreenda aquilo que tem para que não importe do estrangeiro aquilo que não precisa. É um absurdo ter tudo aqui dentro e ir pegar lá fora.

UOL Educação - Qual foi a maior utopia que o senhor viu?
Pacheco - O Brasil é um país de utopias, como a de Antônio Conselheiro e a de Zumbi dos Palmares. Fui para a história, para não falar em educação. Na educação, temos Agostinho da Silva, que é um utópico coerente, cuja utopia é perfeitamente viável no Brasil. Ou seja, é possível ter uma educação que seja de todos e para todos. O Brasil, dentro de uns 30 ou 40 anos, será um país bem importante pela educação. São os absurdos que têm de desaparecer, para dar lugar à concretização das utopias. Acredito nisso, por isso estou aqui. (Pacheco ministra curso no colégio Pueri Domus, na zona sul da capital)

UOL Educação - Os professores são resistentes às mudanças?
Pacheco - Os professores são um problema e são a solução. Eu prefiro pensar naqueles professores que são a solução, conheço muitos que estão afirmando práticas diferentes.

UOL Educação - Práticas diferentes como a da Escola da Ponte?
Pacheco - Não são "como", mas inspiradas, com certeza. São práticas que fazem com que a escola seja para todos e proporcione sucesso para todos.

UOL Educação - Dentro da escola tradicional, onde ocorre o desperdíciode recursos?
Pacheco - Se considerarmos o dinheiro que o Estado gasta por aluno, daria para ter uma escola de elite. Onde o dinheiro se desperdiça? Porque em uma escola qualquer, que tem turmas de 40 alunos, a relação entre o número de professores e de alunos é de um para nove? Por que os laudos e os atestados médicos são tantos? Porque a situação que se criou nas escolas é a do descaso. Esse é um absurdo.

UOL Educação - Onde mais ocorre o desperdício nas escolas?
Pacheco - O desperdício de tempo também é enorme em uma aula. Pelo tipo de trabalho que se faz, quando se dá aula, uma parte dos alunos não tem condições de perceber o que está acontecendo, porque não têmos chamados pré-requisitos, e se desliga. Há um outro conjunto de crianças que sabem mais do que o professor está explicando - e também se desliga. Há os que acompanham, mas nem todos entendem o que o professor fala. Em uma aula de 50 minutos, o professor desperdiça cerca de 20 horas. Se multiplicarmos o número de alunos que não aproveitam a aula pelo tempo, vai dar isso. O desperdício maior tem a ver com o funcionamento das escolas. Os professores são pessoas sábias, honestas, inteligentes e que podem fazer de outro modo: não dando aula, porque dar aula não serve para nada. É necessário um outro tipo de trabalho, que requer muito estudo, muito tempo e muita reflexão.

UOL Educação - As famílias não estão acostumadas com escolas que não têm classe, professor ou disciplinas. Querem o conteúdo para o vestibular. Como se rompe com esse tipo de mentalidade?
Pacheco - Pode-se romper mostrando que é possível. Eu falo do que faço, e não de teorias. O que fiz por mais de 30 anos foi uma escola onde não há aula, onde não há série, horário, diretor. E é a melhor escola nas provas nacionais e nos vestibulares. Justamente por não ter aulas e nada disso.

UOL Educação - Por que uma escola que não tem provas forma alunos capazes de ter boas notas em provas e concursos?
Pacheco - Exatamente por ser uma escola, enquanto as que dão aulas não são. As pessoas têm de perceber que não é impossível. E mais, que é mais fácil. Posso afirmar, porque já fiz as duas coisas: estive em escolas tradicionais, com aulas, provas, com tudo igualzinho a qualquer escola; e estive também 32 anos em outra escola que não tem nada disso. É mais fácil, os resultados são melhores.

UOL Educação - Na concepção do senhor, o que é uma boa escola?
Pacheco - É a aquela que dá a todos condições de acesso, e a cada um, condições de sucesso. Sucesso não é só chegar ao conhecimento, é a felicidade. É uma escola onde não haja nenhuma criança que não aprenda. E isso é possível, porque eu sei que é. Na prática.

UOL Educação - O professor que está em uma escola tradicional tem espaço para fazer um trabalho diferente? O senhor vê espaço para isso?
Pacheco - Não só vejo, como participo disso. No Brasil, participei de vários projetos onde os professores conseguiram escapar à lógica da reprodução do sistema que lhe é imposto. Só que isso requer várias condições: primeiro, não pode ser feito em termos individuais; segundo, a pessoa tem de respeitar que os outros também têm razão. Se,dentro da escola, os processos começam a mudar e os resultados aparecem, os outros professores se aproximam. Não tem de haver divisionismo.

UOL Educação - O senhor acha que a mudança na estrutura da escola poderia partir do poder público ou depende da base?
Pacheco - Acredito que possa partir do poder público, mas duvido que aconteça. As secretarias têm projetos importantes, mas são de quatro anos. Uma mudança em educação precisa de dezenas de anos. Precisa de continuidade. E isso é difícil de assegurar em uma gestão. Precisa partir de cada unidade escolar e do poder público juntos.

3 comentários:

Camila Lua Oliveira disse...

Tu é simples.

LiLi Varela disse...

O pior de tudo é que as pessoas que poderiam fazer algo se acomodam e deixam pra lá! Preferem não se meter. Lá na faculdade mesmo o modelo de professor e de sala de aula que é pregado é o velho, ineficiente e falido modelo de sempre! Eu sinceramente acredito que os governantes não querem um país pensante. Querem um país de pessoas despreparadas e facilmente manipuláveis.
Enfim, tb odeio esse periodo de replanejamneto!

Eulália disse...

Só vi publicado aqui agora, amigo Rodrigo. Feliz pela parte que me toca, confiante que se dá pra fazer nós faremos - juntos porque do mesmo lado. E dá. Beijos!