sábado, maio 10, 2008

UM NOVO BRINQUEDO - Conto


Gigante tem 12 anos. Está na sexta série. Quando soube que ia passar a estudar de manhã na sua escola, ficou preocupado. Afinal, apesar de estudar com o gêmeo, Gigante é bem diferente do irmão. Foi o segundo a nascer. E devido à algumas complicações no parto, ficou com um problema no seu desenvolvimento. Tem a estatura de um anão de jardim, ou um pouco menor, o que é motivo de zoeira, chacotas e muitas tretas na escola. Tretas porque ele não leva desaforo pra casa e, você sabe: os “Grande” gostam de zoar com os pequenos. Na lei da selva é assim. Mas, Gigante não se intimida: “tamanho não é documento.”

Hoje ele estava mais feliz. Conseguiu enrolar a mãe e ficar mais cinco minutinhos na cama. O irmão saiu mais cedo, naquele frio cortante. Ele estava quase atrasado. Eram cinco pra sete da matina. Pra encurtar caminho, ajeitou a caixa de feira que tava encostada ao muro da escola, subiu e, com a ajuda de um tiozinho que passava na rua, conseguiu se apoiar sobre o muro. O outro lado parecia uma imensidão. O chão lá embaixo, loooooonge. E só mato. Gigante respirou fundo, contou até três, fechou os olhos e pulou. Puff.

- Au!

Uma coisa espetou bem na sua bunda. Estava escondida debaixo do mato. Quando ele viu, não acreditou. Um brinquedo. Novo. Quer dizer, usado. Uma parte enferrujada, outra descascando. Um caninho longo, prateado. E um gatilho.

Ele sorriu.

Olhou para os lados. Não havia ninguém. Muquiou o brinquedo dentro da mochila e foi correndo pro portão da escola. Já eram quase sete e dez, a tia tava fechando. “Pérai, pérai, tia.” Gigante entrou.

As três primeiras aulas passaram que ele nem viu. Quando chegou, sacou logo o caderno, caneta e lápis, ajeitou tudo em cima da carteira e colocou a mochila em cima do seu colo. Os colegas estranharam: “Aê, Gigante, que vontade de estudar, hein?” Fingiu que nem escutou. E ficou lá, fingindo que prestava atenção na aula, fingindo que copiava com vontade a atividade mas, o pensamento tava longe. Na verdade, bem próximo. Sobre o seu colo. Pensava em como ia usar o seu novo brinquedo.

No intervalo, como sempre, saiu correndo da sala e já foi pra fila da merenda. Agora com a mochila nas costas. Os moleques do segundo ano do Ensino Médio passaram. Seguraram ele pelo braço e o levantaram: “E aí, Gigante. Vai acampar?” Tiraram um sarro. Gigante nem respondeu a provocação. Pensou no seu novo brinquedo na mochila. Sorriu.

Na saída, nem esperou o irmão. Foi correndo pra casa. A mãe e o padrasto estavam com certeza trabalhando. Ele teria um tempo sozinho pra analisar com detalhes cada parte da sua nova aquisição.

Entre a cama de solteiro que dividia com o irmão e a cama de sua mãe, no quarto, Gigante tirou o motivo de sua alegria da mochila. Ficou olhando, admirado. “Será que mostro o brinquedo pro Jú? Não, ele vai querer tomar de mim. Ou vai falar pra mãe que eu peguei de alguém. Apesar que a mãe não ia acreditar. Uma pelo meu tamanho. Outra, que ninguém perde um brinquedo desse e deixa quieto.” Gigante alisava o brinquedo. Observava o desenho, a forma, as cores. Fixou sua atenção sobre o cano longo. Olhava atentamente para dentro do buraco. Será que havia alguma coisa ali? Chegou mais perto, mais perto. O dedo apoiado sobre o gatilho. O irmão entrou no quarto, com tudo:

- Quê que cê tá escondendo hein ô, muleque!

Gigante se assustou. Apertou o pequeno gatilho, que disparou:

- Sguiiiiiiiiish!

Ainda havia água no reservatório do Caminhão de Bombeiro. Gigante ficou com a cara toda molhada. O irmão quase se mijou de rir da cena. Só parou quando viu o quanto da hora era o brinquedo. Tinha sirene, buzina. Até uma escada. Além do caninho longo, que servia como mangueira.

De alma lavada, Gigante colocou o brinquedo embaixo do braço e foi pra rua. Estava feliz. O Caminhão era quase novo.

5 comentários:

Nelson Maca disse...

E aí Rodrigo, tudo certo?
Cara você criou um anti-climax louco, salvando, ironica re dramaticamente, seu personagem, e dando um drible no leitor e na vida real.
Bacana, hein!?

Como disse o GOG:

"Ainda bem que nem só de tragédias vive a Periferia".
("Diante da notícia"
In: Suburbano Convicto: Pelas Periferias do Brasil

Valeu, irmão,
Nelson Maca.Ba

r.c. disse...

Salve, Maca.

Valeu pelas palavras. Elas são um incentivo pra gente prosseguir, guerreando, denunciando as mazelas, mas também olhando as coisas belas e a poesia que existe nas quebradas do Brasil.

Valeu, irmão,
Rodrigo

Anônimo disse...

salve meu bom, ai to nakele corre de trampar com os mulekes ce sabe... ai mostro esse trampo eles chapam muito pai, preciso pegar uns tres livros seu contigo é possivel? comprar certo! akele meu e tal ta rodando o barraco do muleke tudo ce eu puder levar mais texto seria lega pq esse texto como varios sao bem atraente eles chapam´pai é nois akins kinte

Ana Paula Valadares disse...

Genial esse conto. Emocionante.
Quase ninguém lembra de retratar que na Periferia há também "final feliz". Abraço

Ilca *.* disse...

Pô! Muito massa!
Adorei!