sexta-feira, dezembro 14, 2007

Antes tarde do que nunca

Pois é, foi nunca. Não tarde. Nunca. Nunca porque, pelo menos isto, não dá mais. Não é possível. E como demorou, como eu trampei junto com os meus alunos pra fazer um negócio legal, por acreditar no sonho. Mas sonho é sonho, a realidade é mais cruel. Nem tudo é possível.

Vou contar para tentar entender.

Tudo começou quando escrevi um projeto para a escola chamado A Sedução da Palavra. Projeto de incentivo a leitura e produção escrita dos alunos. Mais do que isso. Esse é o nome burocrático. Na verdade é um projeto de amor à palavra, a literatura - como arte. A Sedução da Palavra engloba dois projetos que fiz na escola este ano: o Literatura (é) Possível e o FIQUE DE OLHO!, publicação dos alunos e alunas da EE Jorn. Francisco Mesquita.

A CENP (Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas) sempre abre editais para inscrições de projetos de complementação curricular, apoiando financeiramente os mesmos. Eu não sabia a roubada que era, pois bem, vou inscrever ambos os projetos que toco na escola. E já começou a burocracia.

Primeiro fiquei sabendo que não poderia usar o dinheiro para adquirir material "de uso permanente": não poderia comprar livros, não poderia comprar um computador, gravador, lápis e papel, tão necessários a ambos os projetos - literatura e jornal;

Segundo: não poderia pagar pessoas para oficinas, palestras, ou seja: se quisesse continuar chamando os escritores para ir na escola, chamar um jornalista para fazer uma oficina, um fotógrafo para dar uns toques nos meus alunos, teria que tirar do meu bolso, já que o projeto não cobre estes custos - as pessoas teriam que apresentar uma nota fiscal;

Terceiro: recebendo a verba, teria apenas 30 dias (trinta dias!) para usar toda. Resumindo: peço verba para imprimir um jornal trimestral, ou para fazer qualquer parada numa programação de dois, três meses, não posso. Você tem trinta dias para gastar o dinheiro.

Ainda assim eu entrei nessa roubada. Realmente, não poderia dar certo.

A última data para entrega dos projetos foi no dia 12 de julho de 2007.

No projeto, fiz o seguinte pedido:

- Dez ônibus para levar 448 alunos do Ensino Fundamental, Ciclo II - 5ªs à 8ªs séries - ao Museu da Língua Portuguesa;
- Um ônibus para levar os poetas da COOPERIFA para a escola;
- 18.000 cópias para impressão de 1.500 unidades do jornal da escola, Edição 02 e 03, para ser distribuída gratuitamente para @s alun@s da escola.

Eles encerram a data no meio do ano letivo. Pensei que seriam rápidos na indicação dos aprovados, afinal um ano tem apenas 12 meses - sei que isso é óbvio mas, os absurdos são tamanhos que algumas obviedades não são tão óbvias -, estávamos na metade do ano, não poderia demorar muito. Gastaríamos quando, nas férias?

Quase.

Passou julho, chegou agosto. Passou agosto, chegou setembro. Passou setembro, chegou outubro e nada. Quase três meses depois, nenhuma notícia sobre a aprovação do projeto. Já havíamos desencanado de imprimir as 1.500 unidades da edição 02 do jornal para distribuir de graça. Ele estava pronto desde setembro, não podíamos esperar mais. Imprimimos a edição 02 e desencanamos.

Dia 22 de outubro de 2007, três meses e dez dias depois da entrega do projeto e dois meses para o término do ano letivo, soubemos que o projeto havia sido escolhido pela CENP, entre diversos outros.

Apesar do tempo, nos sentimos honrados. Eu e os alunos ficamos felizes, agora era trabalhar. Comecei a agendar as visitas ao museu, tentamos organizar a vinda da Cooperifa na escola, a edição do jornal para ser impressa. Fomos trabalhando.

Metade do projeto deu certo. Mais ou menos.

Conseguimos levar os alunos no Museu da Língua Portuguesa. Dez ônibus. O problema é que, como o projeto só foi aprovado em outubro, só conseguimos marcar o museu no dia 01 de novembro - data indicada para os agendamentos - para... Dezembro. Você, caro navegante que conhece escola pública, fica aluno na escola, regularmente, no mês de dezembro?

Pois bem, conseguimos organizar as excursões, tudo muito tumultuado, amontoado, para garantir que os alunos iriam. Foi ruim mas foi bom. Conseguimos. Como o mês de novembro teve a Semana de Arte Moderna da Periferia, depois os eventos do Dia da Consciência Negra, não foi possível organizar a Cooperifa vindo na escola. Então, levamos os alunos do projeto de Literatura para a Cooperifa. Isto foi bom, foi ótimo.

Agora, faltava o jornal.

Eu e a tchurminha do jornal trabalhamos duro. Mesmo. Eu perdi mais de duas manhãs e duas tardes inteiras na escola, trabalhando como volunotário, organizando o fechamento junto com os meus alunos. Perdi mais algumas horas organizando o material para mandar para a minha amiga Jú, que faz a diagramação, tudo para ficar lindo. Bom, dia 06 de dezembro o jornal estava pronto. Faltava só o mais fácil: o dinheiro para imprimir.

Dia 06 ainda não estava liberado. Chegou dia 07, chegou dia 10 (de dezembro). Chegou dia 11, dia 12, dia 13 e nada. Cadê a liberação do cheque para imprimir o jornal? Cadê os alunos. Para quem eu iria fazer a distribuição de 1.500 unidades de um jornal da escola. Não posso deixar para o próximo ano, tem mensagens de natal. E aí? O que fazer?

Foi quando hoje, as 14:00hs eu recebi o cheque em mãos. R$ 1.260,00 (hum mil e duzentos e sessenta reais), para fazer as dezoito mil cópias das 1.500 unidades do jornal. E um detalhe. EU TINHA HOJE PARA GASTAR, fazer as cópias com este dinheiro. SÓ HOJE. Fiquei sabendo que o valor fora depositado na conta dia 14 de novembro. Contando a partir daí, trinta dias para gastar (lembra?). Hoje era o último dia. Outro detalhe: a empresa que fosse fazer a fotocópia tinha que fazer o recolhimento de 11% de INSS, em uma GPS. Não entendi muito bem mas, fui para casa para fazer a cópia do jornal no CD. Antes, resolvi ligar para a empresa para ver se eles faziam este recolhimento. Eles disseram que sim, para os funcionários deles registrados, já que se trata de uma GUIA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL mas, pra que eles precisariam fazer este recolhimento na prestação de um serviço?

Também não entendi. Liguei para o departamento de finanças da Leste 1, a diretoria de ensino que cobre a minha escola e me explicaram: EU teria que ir no banco, fazer o pagamento - recolhimento da GPS - 11% (no valor de R$ 138,00) em nome da empresa que iria prestar o serviço, depois iria na empresa, faria o serviço bancando apenas R$ 1.122,00, entregaria a guia recolhida no valor de 138,00 e eles iriam me passar uma nota de R$ 1.260,00 o valor total. Entendeu? Nem eu muito bem. Explico

138,00 - GPS - paga antes do serviço prestado, no banco
1.122,00 - pago à empresa por um serviço que vale
1.260,00 - valor que deveria constar na nota fiscal

é como se fôssemos comprar um carro na loja que vale 10.000,00 mas aí eu faria assim: ia no banco, recolhia o (suposto) imposto do carro, entregava a guia recolhida no banco + o cheque da diferença, talvez de R$ 8.900,00

confuso? muito. caralho, o imposto já está imbutido nos bagulhos, nos produtos que consumimos, compramos, ou não? para que esta complicação toda? pagar um imposto antes de pagar um serviço?

eu digo: burrocracia estatal.

resumindo a história. as 15:30hs da tarde estava (estou) nas mãos com um cheque de 1.260,00 que não vale nada. precisaria de um de 138,00, outro de 1.122,00, ir ao banco, pagar a GPS - recolher -, ir na copiadora com 1.122,00 + 138,00 recolhidos, pedir para executarem um serviço que vale 1.260,00, fazer o pagamento com 1.122,00 em cheque, entregar a guia recolhida de 138,00 e exigir uma nota de 1.260,00.

parece piada não?

ah, outro detalhe: o cheque que tenho em mãos, no valor total (1.260,00) não vale nada. precisaria de dois, com os outros valores quebrados que eu já falei. e teria que conseguir, em vinte minutos a assinatura das duas pessoas que assinam o cheque. elas estão em ermelino matarazo. Eu, no Ipiranga.

Você acha que deu?

Resumindo: depois de horas, dias, semanas de trabalho, meses de trabalho em cima de um jornal, por conta de uma burrocracia excessivamente estúpida e complexa, de pessoas que não trabalham direito e que me entregaram um cheque aos 45 minutos do segundo tempo para eu gastar, não teremos o jornal da escola.

Não teremos o jornal.

E os 1.260,00 que demorou quatro meses para chegar (enviei em 12 de julho, foi depositado em 14 de novembro), que eu tinha um mês para gastar e me passaram o cheque na data limite deste um mês, hoje, 14 de dezembro, as 14hs da tarde, será devolvido. E já me informaram que, quando se devolve uma verba, eles não aprovam nenhum outro projeto.

Caramba: eles tem uma estrutura administrativa enferrujada e, pra variar, os alunos são penalizados.

Isso é a Escola Pública no Brasil.
Que merda.

Rodrigo Ciríaco

P.S.: O texto está longo e confuso mas, eu precisava desabafar, como num diário. Escrever para tentar entender um pouco o que aconteceu. Passei vinte minutos aqui escrevendo e entendi. Só não entendo por que estas coisas ainda acontecem...

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