Noite de sábado, 29 de março, escola estadual Jornalista
Francisco Mesquita. Periferia, Zona Leste de São Paulo. Vencemos. Aconteceu
mais uma vez o Sarau dos Mesquiteiros, especial “mês da mulher”, com homenagem
a escritora Carolina Maria de Jesus. Mulher, negra, favelada, catadora de
papel, e uma das mais importantes escritoras representativas da literatura
marginal-periférica, que faria 100 anos caso estivesse viva.
Uma mulher forte, guerreira: expressiva. Nada mais
representativa do ser mulher, neste mês em que pesquisa recém divulgada do IPEA
(Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) demonstra que aproximadamente 65%
dos homens acreditam que mulheres que usam roupas curtas merecem ser atacadas!
#Cadeia para estes babacas!
O sarau é só no final da tarde mas os preparativos começam
cedo. As 10 horas da manhã estava na escola, colando alguns cartazes, divulgando
o evento. Um menino, o Luan, de aproximadamente uns 09 anos veio me perguntar:
- O que que vai ter na escola, tio? Expliquei o sarau, a festa, as
brincadeiras, os comes e bebes. Que ia ser no final da tarde. “Não tem
problema, vou ficar aqui o dia inteiro”.
E ficou: da hora em que eu o encontrei, as 10hs da manhã até
a hora em que fomos embora, as 20:30hs da noite. E eu, sempre com a mesma
pergunta: não há ninguém por este menino? Ninguém preocupado por ele? Será que
se alimentou direito? Tomou café? Almoçou? Está com frio?
O que ele estaria fazendo se nós não estivéssemos aqui? Por
onde andará nos próximos dias em que não estaremos?
O sarau começou pontualmente as 17hs. No primeiro momento,
algumas músicas representando, homenageando as mulheres: Clara Nunes, Elis
Regina, Ellen Oléria, Nana Caymmi, Rosa do Morro (Inquérito).
Desde antes do início do Sarau, tivemos uma grata
surpresa-esperada: a chegada do ônibus com os alunos da EMEF Vianna Moog, lá de
Taboão da Serra, extremo-sul de São Paulo, que no comando da professora Fabiana
e outros (que perdoem, não lembro o nome agora) estiveram presentes e trouxeram
vida, cor e animação ao nosso sarau. Obrigado por fortalecer com a gente. Em breve
a gente compensa esta troca e visita grata – e bem-vinda!
Depois da execução das músicas, tivemos a pré-estréia do
documentário “Vidas de Carolina”, que aborda a história de Carolina, com
entrevistas de Vera Eunice (filha), Audálio Dantas (jornalista), além de
depoimentos de outras duas mulheres, também catadoras, fazendo assim um
paralelo, com a escritora. O documentário é uma produção de Jéssica Queiroz,
Mayra Jóia, Randerson Barbosa entre outros, que já foram integrantes da escola
e dos Mesquiteiros, e hoje seguem a própria história.
As 18hs, pegamos em armas – megafone, alfaia, palmas e
gargantas – e saímos pelas ruas de Ermelino para abrir os trabalhos e convidar
a galera a participar do sarau com a gente. E foi bonito: mais de 50 pessoas,
principalmente jovens, crianças e adolescentes ocupando as ruas do bairro,
gritando, convidando a galera, cantando: “Pra onde eu vou? Vou pro sarau! Pra
onde eu vou? Vou pro sarau, vai, vai! Vai, sarau. Vai, sarau”.
Mais de 35 poetas estiveram presentes em nosso palco-escola.
E como a gente não se contenta com pouco, tivemos ainda dois lançamentos de
livros: Para Brisa, do parceiro Ni Brisant, e Uma Vez Poetas Ambulantes, do
coletivo Poetas Ambulantes. Novamente agradecido por chegar no espaço,
compartilhar voz, livros e palavras.
O tom do sarau, como não poderia ser diferente foram as
mulheres: sejam com homenagens, sejam com protestos, discursos, lembranças e
principalmente: alegria, arte, revolta e poesia. Foi um dia/noite bonito.
Especial para recarregar as energias, fortalecer nossas convicções. Romper o
ordinário que existe em nosso cotidiano. E tornar a vida um pouco menos cruel,
principalmente nestes tempos difíceis que vivemos.
Agradecimento a todos e principalmente a todas que estiveram
presentes. Gostaria de dar nomes a todos que chegaram colaram, muitos de longe,
com dificuldades, mas não deixaram de vir, acreditar: obrigado, obrigado,
obrigado. Quando outras pessoas acreditam em nossos sonhos a gente não apenas
acredita que ele é possível: a gente vê ele tornar-se real e sendo realizado.
Por uma escola pública, em que exista arte cultura e
educação, não apenas no final de semana.
Por um mundo onde o machismo seja apenas a lembrança de um
tempo sem razão.
Por um universo onde as mulheres tenham direito de
liberdade, respeito e dignidade.
#NãoMerecemosSerEstuprad@s
Um por todos, Todos por Um
Rodrigo Ciríaco
Mesquiteiros