(...) A população de Belém nos recebe com festa. Os palestinos sabem que a presença de estrangeiros pode ser incômoda aos senhores da guerra. Em frente à Basílica da Natividade, erguida junto da gruta onde Jesus teria nascido, os ativistas conversam com as autoridades locais. De repente, atraído por esse insólito movimento, aparecem vendedores de colares, pedras, cartões-postais, bugigangas de todas as espécies. É um assédio desesperado. Trinta dólares, vinte, e o produto acaba sendo oferecido por cinco. O palestino Tufik Canavate, ex-guia turístico, explica: "Antes isto aqui era cheio, era gente que não acabava mais, agora não tem ninguém e não temos trabalho". Faço com Canavate um rápido passeio pelos pontos centrais de Belém. No caminho, atraídos pela minha máquina fotográfica, um grupo de meninos palestinos se aproxima. "De onde você é?", me perguntam. Quando respondo, vem a festa: "Romário, Ronaldo, Pelé". E eles não param. Falam de nosso futebol com familiaridade. "Nós temos o Brasil no coração", diz um dos garotos. Pedem que eu faça uma foto, fazem pose, me cumprimentam e vão embora. Canavate, depois de uma pequena caminhada, sem prática e sem fôlego, também se despede: "Olha, quer saber, eu acredito que, pela vontade de Deus todo-poderoso, a paz venha em breve e as coisas voltem a ser como eram antes". Horas depois, o todo-poderoso Tsahal, exército de Israel, invadiria Belém, matando vários civis, entre eles crianças e mulheres.
Texto: (..) O exército de Israel estabelece um cessar-fogo de duas horas para que os pacifistas, jornalistas e observadores internacionais deixem Ramallah, zona militar fechada. Segundo as fontes oficiais, essa medida é para a própria segurança dos estrangeiros. Nesse tempo, os palestinos aproveitam para enterrar. O hospital, com racionamento de luz, superlotado, deve se "desfazer" dos 25 corpos que estão nas geladeiras. Alguns homens, com auxílio de um trator, cavam um buraco no estacionamento, ao lado do hospital. Cai uma chuva fina. Os palestinos fazem uma oração coletiva. As mulheres choram, um choro agudo. Algumas gritam, balançam os braços, rezam. Depois, envoltos em lençóis brancos, um por vez os corpos são colocados na vala comum. Tudo é feito muito rápido, a toque de caixa assim mesmo, de qualquer jeito, sem flores ou ritos prolongados. Não há tempo nem estrutura. Segundo o exército israelense, todos esses mortos sem rosto são terroristas que perderam a vida em combate. Gente sem direito, culpados por princípio. Entre esses 25 corpos, algumas mulheres e duas crianças.
(...) um palestino pede ajuda dos ativistas estrangeiros. Sua mulher, de mais ou menos 50 anos, que acabara de sair do hospital com um pequeno problema no joelho, foi baleada no peito e no pescoço. "Precisamos de vocês, se eu for sozinho com as enfermeiras eles vão disparar em nós. Com vocês é mais seguro." Cinco pessoas se dispõem a ajudar. A senhora palestina esta caída no meio da rua, quase em frente ao hospital, imóvel. O sindicalista Roberto Giudici, italiano de 49 anos, foi um dos que se dispôs a servir de escudo humano. Ele conta: "Nós saímos para proteger as enfermeiras palestinas, de mãos para o alto. De repente, eles começaram a disparar na nossa direção tinha uma pessoa morrendo, precisando de atendimento". Mesmo sob os disparos, o grupo conseguiu levar a senhora para dentro do hospital. Ninguém viu quem atirou. Os franco-atiradores não têm rosto nem identidade. Mas, para quem está acompanhando a guerra, não existe dúvida de que lado estão esses assassinos. A senhora palestina morreu antes de ser atendida pelos médicos.""
Texto: Fernando Evangelista - fernando_evangelista@hotmail.com