No dia 01 de dezembro de 2008, publiquei neste blog um texto chamado "Questões sobre Educação"(você pode lê-lo novamente acessando o "Receituário - Arquivo", localizado do lado direito), na qual eu falava sobre um pequeno incidente que tivera com um universitário, fazia algumas considerações sobre o mesmo e sobre os "universitários" - talvez um tanto generalista - e publicava uma entrevista feita comigo, sobre a Educação.
Estou retomando o assunto desta postagem pois, até hoje, nenhum outro assunto sobre a qual eu falei rendeu tanto pano para a manga - e olha que já publiquei um livro em que critiquei abertamente o sistema de ensino público estadual de São Paulo! Entre comentários feitos na própria postagens e emails recebidos na minha caixa pessoal, muitas pessoas escreveram: anônimos, conhecidos, universitários que trabalharam comigo ou me conheceram, amigos. Aliás, por conta deste texto, pelo dito e pelo não dito, criei certas inimizades, me afastei de alguns valorosos amigos.
Do escrito, me arrependo de duas coisas: 1) eu não deveria ter dito "universitários", de maneira generalista, mas devia ter usado antes, o termo "alguns universitários". Talvez isto tivesse aplacado a ira de algumas pessoas que sentiram-se ofendidas e, 2) deveria ter deixado mais claro que, dos assuntos abordados na entrevista, aquelas não eram idéias exclusivamente minhas, mas idéias compartilhadas de um grupo de amigos professores de escolas públicas que há mais de um ano (excluindo o tempo de universidade) se reuniam e dialogavam sobre as questões pertinentes à educação.
Do escrito, me arrependo apenas disto. Só isto.
Não voltaria atrás em nada do que falei, não voltaria atrás na publicação das idéias. Aquilo foi feito em um momento de indignação e, indignação esta que ainda persiste. Não contra a Acadameia apenas, contra a idéia do que é e para que serve a universidade, mas abertamente contra a postura de pessoas que ocupam este espaço, com a falta de compromisso com o Público, seja na questão do uso do dinheiro, seja na questão do trato com as pessoas.
Eu não tenho nada contra a Academia. Muito do que sou hoje, seja bom, seja ruim, deve-se a minha vivência dentro dela. Foi lá que cresci como homem, como ser humano, foi lá que formei-me dentro de uma profissão; foi lá que tive um crescimento no meu aprendizado e na minha militância política e ideológica e, mais importante de tudo, foi lá que conheci maravilhosas pessoas e fiz importantes amigos.
Mas a Academia, a Universidade existe, para mim e, salvo engano, quando foi criada, para ajudar a pensar a sociedade. Para ajudar a construir uma vida social mais justa, mais equilibrada. Criamos pensadores, pagamos com o nosso suado dinheiro para que eles reflitam, teorizem e nos retornem com algo prático, aplicável e sustentável em nosso dia-a-dia. A teoria que leva a prática, que retorna a teoria, que nos reconduz a prática, num eterno ciclo.
Acontece que, infelizmente, há muito tempo, em diversos setores desta Instituição, através do papel protagonizado por seus atores - reitores, docentes, discentes - isto não acontece. A Academia literalmente se fecha dentro dos seus muros, vai a estratosfera analisando as suas teorias, enquanto nós, meros mortais ficamos apenas se fudendo e sendo subjulgados a seres incapacitados de entender a sua complexa dinâmica de funcionamento. Isto eu não aceito, não admito.
Nunca me esqueço do ano de 2003, estava no meu quarto ano do curso de história da USP, na disciplina "História Oral", quando tinhamos de desenvolver um projeto de pesquisa. Por se tratar de um projeto de história oral, não iríamos trabalhar apenas com fontes documentais, mas com pessoas, seres humanos. Iríamos dialogar com elas, nos abrigar dentro de suas vidas, conhecer as suas histórias, conviver com elas durante um tempo. Tudo isto me parecia muito interessante, muito enriquecedor enquanto projeto de vida pessoal e projeto de pesquisa mas, uma pulga me coçava atrás da orelha: qual seria o meu retorno para esta pessoa, o que eu daria, em troca de enchição de saco, perguntas indiscretas e tempo trocado? O que eu acrescentaria ao meu "objeto" de estudo?
Levei tamanhas indignações a pessoa que orientava o meu trabalho e, lembro-me bem, fiquei embasbacado, com cara de tacho caído no chão, quando a pessoa, tranquilamente respondeu as minhas inquietações: "Nada. Não há nada o que fazer. Funciona assim."
Eu não aceitei. Por não achar moralmente correto, por não ver nisso o papel da Universidade dentro da sociedade. Fiz o meu trabalho, ficou muito bom por sinal, tirei um 8,5 e, durante muito tempo, matutei para responder a minha inquietação de como eu devolveria, como eu responderia as pessoas que tanto me ajudaram para a minha formação acadêmica, em especial nesta disciplina. E encontrei. O que fiz? Trabalhei.
O trabalho foi sobre pessoas em situação de rua. O meu "objeto" de estudo foi o Sr. Augusto, um dos vendedores da revista Ocas". E como retribuição militei durante três anos como voluntário do projeto, lutando pela causa das pessoas em situação de rua, sendo um pau-pra-qualquer-obra: varri o chão, fiz divulgação em albergues, cadastro e treinamento de novos vendedores nas ruas, fotógrafo, jornalista, cozinheiro, educador na "oficina de criação", diretor de projetos e, mais ainda, fiz amigos. Hoje, apesar de afastado, acompanho ativamente a discussão sobre a questão das leis envolvendo este setor da população, a violência - cada vez mais crescente contra ela -, o assistencialismo, o preconceito, o papel das ong's e por aí vai.
Acredito que o trabalho de três anos foi suficiente como "retorno" ao auxílio que eu tive do meu "objeto" de estudo. Acredito que eu paguei a minha dívida. E, acredito, ao contrário do conselho que havia recebido, que algum retorno é possível, sim. E necessário.
Quero voltar a estudar dentro da Universidade. Quero voltar a adentrar aqueles muros de concreto e de pensamento. Quero discutir com meus pares e ímpares. E quero, acima de tudo, respeito dos meus ex-e-futuros-colegas-universitários respeito e mais consideração no trato com as pessoas, inclusive com a minha. Pois eu não vou deixar de fazer as minhas observações, não vou deixar de falar, comentar e criticar, ainda que seja restrito apenas à este blog. Não vou deixar de cobrar o papel da Universidade, e mais: não apenas da Instituição em si, pois ela é apenas um prédio com portas, janelas, cadeiras, carteiras e muito livros dentro. A minha cobrança incindirá sobre as pessoas que a movem e a movimentam.
Voltando ao assunto daqueles que ficaram incomodados com as minhas críticas, vou relatar um episódio. Certa vez, nos idos finais do ano de 2005, na Casa de Oração do Povo da Rua, o diretor Sérgio Bianchi apresentou o filme "Quanto vale ou é por quilo?", na qual faz uma crítica aguda e visceral contra as Ong´s. Ele estava presente na exibição e, ao final, abriu espaços para comentários, críticas sobre o filme. Eu, na época, voluntário da revista Ocas" (uma ong) e educador social do Travessia - que desenvolve projetos de educação com crianças em situação de rua - (uma outra ong), fiquei indignado com aquelas críticas. Achei o filme generalista demais e - pensava - não retratava ou distorcia o papel que as Ong's tinham e sua importância dentro da sociedade. Pior: desmerecia o papel das pessoas (quase "santos") que trabalhavam nas ong's. Relatei esse sentimento, misto de indignação, ao Sérgio, que me respondeu:
- Se você não se identifica com eles, não se sinta ofendido.
Pois bem, digo mesmo aos universitários que ficaram ofendidos: se você não se identifica com a crítica, não se sinta ofendido, nem por ser um universitário.
Nem todo mundo mundo é perfeito.
Nem eu!
Rodrigo Ciríaco