domingo, julho 22, 2007

EDUCADOR SOCIAL


Ih tio, eu tô aqui há mais de cem anos. Praça da Sé, República, Anhangabaú. Patriarca, Ipiranga com São João, Largo do Paissandú. Faz tempo. Agora vem a Prefeitura querendo me tirar da rua? Pra quê? Pra me jogar no abrigo? Esconder us moleque debaixo do tapete. Não. Deixa, deixa a vergonha dessa cidade exposta na cara. Bem no centro.

É, o Centrão que é a viração. Vixi, tem várias fita aí tio. Outro dia uma senhora quis me levar pra casa. A minha não, a dela. Levou eu e mais dois. Sem safadeza, sem pilantragem. Chegamo lá e tomamo um banho. Leite quente com chocolate. Sabe como a gente devolveu a caridade? Trancamo a tia no banheiro. É, depois fuçamo tudo a casa. Achamo jóia, dinheiro. A gente só caiu nessa mão porque demo muito bandeira, senão, tava com o meu doze mola até agora. Também, a tia é loki, querendo me levá embora? Eu tenho família jão. Minha mãe e mais seis irmão.

Quê cê quer saber tio? Deve tá tudo espalhado no mundão. Depois que o fogo cozinho nosso barraco a gente ficamo por aí, entre a calçada e o chão. Aí desandô. Eu desgrudei. E nunca mais voltei. Miséria por miséria fico aqui. Aqui pelo menos não tenho que dividir meu colchão. E aqui eu não passo fome. Lá não, é fome, treta. Muita raiva jão.

Sei que cê qué me ajudar tio. Cê vai dar um emprego pra minha mãe? Uma casa pra gente mora? Então, qué ajuda como? Veneno eu já passei e tô cansando. Meu primeiro cobertor foi um saco de lixo. Agora cresci. O saco preto eu deixo prus puto que agora eu vô cobri. Ta ligado no meu apelido? Bisturi. Então, a fita é essa aí.

Muitos não rouba por que qué não tio. Muitos rouba porque precisa memo, igual eu. Eu preciso. Mas se fô pra eu caí igual a fita lá da tia do apartamento e minha mãe te que ir na Fundação, fica gastando comigo, eu vou logo pro arrebento. Zé povinho eu lamento mas a vida é isso. A revolta já se instalou no meu peito. Quê se pensa? Como é que a gente vai cresce como uma pessoa igual a qualquer outra aí, que ainda tem uma ajuda de um pai, de uma mãe, que chega e auxilia sempre. Então o moleque ainda cresce normal, cresce sem nenhuma maldade, agora nóis? Êh tio, fala sério. Nóis é criado num local que já não é um lugar prum ser humano vivê, que já tem treta direto das família e tal, muita humilhação e pá, o maluco vai crescendo revoltado né mano, agora cê queria o quê? Que eu ficasse por lá quietinho, vaquinha de presépio, indo pro abatedouro? Aqui não, aqui é Vida Loka.

Esse mundo é o cão. Se pensa que eu num vi lá na banca de jornal? Os playboy no ponto de ônibus, arregaçando com a tia? E se fosse a minha mãe? Cadê a justiça? Não, minha justiça eu memo faço. E se tromba os boy por aí eu vou pro arregaço. Tá certo, não sou de aço. Mas também não vim pra semente jão. E se eu tô aqui nessa situação é por vocês, pensa que eu num sei? Moeda trocada. Essa é a Justiça. Minha única lei.

5 comentários:

Anônimo disse...

CAda vez mais necessários os seus textos. Nãopensa que esqueci os que mandou não, hem?! Eu li e imprimi pro povo aqui reconhecer quem tá falando...

r.c. disse...

dinha, dinha, dinha.
sobrevivente. última das "moicanas". a mulher que escreve pra não virar estatística.
comentarista oficial do blog. posto que és a única. tu és uma Amiga super importante para mim.
obrigado.

Anônimo disse...

Rodrigo! Muito bom esse conto. Quem deu o link no FVC foi a Tania. Acho que um grupo de teatro poderia representar isso no palco! abços

r.c. disse...

milton, valeu pelo comentário.
se souber de algum grupo que queira cometer tal ato de insanidade (rs), dá um toque.
abraço,

Anônimo disse...

Oi Rodrigo
Minhas informações sobre teatro eram bem limitadas: não iam além do Zé Celso/Oficina e Antunes Filho. Pois bem, fiquei sabendo que há um movimento bacana de teatro de grupo, com muita gente jovem e insana (!), talvez o suficiente pra encarar uma parada dessas! Aí no teu pedaço não tem ninguém agitando teatro? abços