quarta-feira, outubro 15, 2008

PRIMEIRA PÁGINA*

* dedicado à todos(as) aqueles(as) que já foram cerceados ou constrangidos no seu direito constitucional: a liberdade de expressão

_______Aberto inquérito policial contra escritor da periferia. Motivo: apologia ao crime. O réu foi acusado de escrever duros textos sobre a realidade de trabalhadores e desempregados, suas dificuldades nos trens e ônibus sempre lotados, a falta de atendimento adequado nos postos de saúde e escolas, a batalha diária iniciada as cinco da matina e até mesmo sobre os sonhos de uma casa digna e outras fantasias. Após denúncia anônima a polícia invadiu a casa do elemento e fez o flagrante: lápis, caneta, cadernos em branco; contos, romances e até poemas foram apreendidos. Um policial indignado com os objetos confiscados e o seu conteúdo revelador perdeu a esportiva: queimou ali mesmo alguns livros, rasgou o dicionário com rancor, cuspiu na cara do escritor e disse: -“Escreve agora sobre isso, seu trouxa”. Textos ainda vivos foram enviados para análise no Instituto Médico Legal. Previsões informam que o resultado sairá nos próximos trinta dias. Até lá, o escritor, considerado elemento de alta periculosidade ficará isolado na solitária, juntamente aos seus pensamentos. Após ampla cobertura na primeira página do caderno policial da imprensa, especialistas comentaram o caso defendendo a ação militar, explicando que a censura para situações como esta é algo corriqueiro e tradicional nas democracias verdadeiramente constituídas. Moradores da comunidade local onde a ação foi deflagrada informam que homens encapuzados identificados como membros do esquadrão da morte estão circulando no bairro à caça de amigos e familiares do escritor detido. A alegação foi prontamente desmentida pelo Delegado de polícia que afirmou que o verdadeiro meliante e seus nocivos instrumentos já foram apreendidos e que a partir de agora, todos os cidadãos de bem da cidade podem encostar a cabeça no seu travesseiro e dormirem tranqüilos. Boa noite.

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