domingo, outubro 28, 2007

pensamentos desconexos

Não existe nada mais irritante, nada mais desconfortável que um choro de criança. Principalmente, se for um choro de bebê. Aquela voz aguda, ardida e estridente, que faz com que a pequena fique toda vermelha, pulsando as veias da testa, parecendo que vai haver um descolamento das cordas vocais. Acho que não existe som mais desconfortável no mundo, seja no Ipiranga ou Paraisópolis, em São Paulo ou Xangai. Terra ou Marte. Ele simplesmente não deixa você descansar, não lhe permitir concentrar, ver TV. Quebra-lhe o sono e as vezes deixa-o num estado de transe, de profunda irritação que a vontade é de quebrar o pescoço da criança, se isso fizer com que ela realmente pare de chorar, ao menos por alguns instantes.

Penso eu que se um dia eu necessitar torturar alguém, vou colocar do lado de fora da porta da sala escura e fria um choro de criança. Sabe aquele, de cinco meses, quando está com cólicas na barriguinha. E digo, nem precisa ser a própria criança não ao rodapé da fechadura. Basta que seja uma gravação. Por que o que eu descobri sobre o choro de criança que, o que tanto irrita não é o choro da criança que está chorando, mas o despertar, o encontro que existe com a criança que está do lado de fora e a criança que está aqui, dentro de você. Dentro de cada um de nós. Aquela criança que nós abandonamos no leito do rio e nunca mais voltamos para buscá-la. Nem para ver se já havia se decomposto. Nem para saber se alguém já havia a retirado dali. E cuidava dela. E inutilmente vivia, trabalhava, sonhava e dormia para que ela fosse feliz.

E sobre esta criança que o choro incomoda. Não a que está fora. Mas a que está dentro.

Falando sobre tudo isso, preciso confessar que há dias estou tentando escrever alguma coisa sobre as mães que deixam seus filhos nos rios, carros, lixeiras e abandonam. Simplesmente viram as costas e vão. Como os homens sempre fizeram – e fazem -, mas o que mais surpreende é que a mulher, aquele ser que carrega a vida gestando durante nove meses sobre o seu ventre tenha coragem de fazer isso. Fuder, gestar, dar á luz e... largar. Para morrer.

Eu gostaria de escrever, não para mostrar o quanto estas mulheres são terríveis, inumanas, covardes, brutais, monstros, etecetera. Eu gostaria de escrever para mostrar o contrário. O quanto são humanamente corajosas. E o quanto o fazem aquele ato desesperador, por amor. Por que abandonar um filho recém-nascido necessita de uma coragem sobre humana que eu não tenho. Que muitos mortais não tem. E, antes de tudo, esse gesto parece ser alguma coisa que um gesto de amor pois é o reconhecimento de que não damos conta de nossas crianças, de que este mundo é cruel e filha-da-puta demais para que nós deixemos para ela a responsabilidade de sobreviver – e dizemos: vocês são o futuro do país. Façam melhor do que nós. As mães que abandonam os seus filhos nos rios tem uma coragem que a maioria de medíocres que vivem neste país – e no mundo, da qual eu não sou inocente e me incluo um pouco – não tem, que é qual: a de assumir a desresponsabilidade por criar uma criança, um filho. Por que mais cruel para mim são aqueles pais que simplesmente trepam com algumas mulheres, inserem o seu sêmen e somem. Pra nunca mais, como um vento. Muito mais cruéis são aquelas mulheres que se dizem mães, e que não são mães. Não assumem a maternidade, não se responsabilizam pelo seu filho. Já usei demais está palavra, mais é isso: não se responsabilizam pelo filho. Acham que criá-lo, que educá-lo é simplesmente mantê-lo vivo. Dar roupa, comida, brinquedos. Um colégio, um computador. Uma lan-house. Dinheiro para o lanche, para o passeio, para a namorada. Para o carro e pronto. Pra que educar o meu filho se eu posso dar dinheiro, dinheiro e dinheiro. Não é isso que ele precisa? Dinheiro?

As pessoas precisam começar a aprender que a vida não é uma nota de cem.

Dedico este texto para todas as babás que trabalham de segunda a domingo, como escravas, sem direito a retornar para casa, sem direito à liberdade, dormindo dentro dos casarões em quartinhos-senzalas para que as dondocas-sinhás possam viajar, passear, gastar o dinheiro do marido e curtir a vida enquanto outras mulheres, verdadeiras mães, trabalham para cuidar e educar de seus filhos. E no futuro são dispensadas sem direitos empregatícios. Sem o pagamento das madrugadas não dormidas para o consolo do choro seco e vazio. Sem poder levar a cria. Isso sim é cruel: ter que abandonar desse jeito um filho.

Dedico este texto para a Dinha, que vai ser mãe. E que sabe criar, não apenas os seus filhos. Mas os filhos do mundo.

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