Hoje é seu aniversário! E tudo o que penso é que hoje você merecia ser feliz. A mulher mais feliz! Não ter mágoas, não ter raiva. Não ter vontade de abandonar o mundo, procurar nos filhos a razão para viver. Ser feliz assim, apenas por ser feliz. E viver.
Pelo menos hoje você não deveria chorar, como já chorou por duas vezes. Hoje é seu aniversário. Você não deveria chorar. Não pela tristeza.
A pouco cheguei em casa. Logo topei com o quadro de força aberto. Estranhei. Não acreditei quando vi a carta, jogada no chão, a fria carta: ‘Aviso de Suspensão de Fornecimento’. Não acreditei quando tentei acender a lâmpada e não encontrei força.
Rapidamente tive vontade de ligar na Eletropaulo para xingar. Porra, como assim, cortaram a energia! O telefone é sem fio, não funciona sem luz. Porra de mundo moderno!
A situação fez com que eu controlasse a emoção. Eu queria é explodir! Precisava raciocinar. Eu não queria raciocinar! Estava com raiva. Queria bater, socar. Queria socar o camarada que veio aqui, e que deve ser tão fudido quanto eu ou a luz que ele cortou, e eu queria socá-lo, com gosto, gozo e vontade, sabendo que a culpa não é dele. Aliás, de quem é a culpa? A JUSTIÇA vai dizer que a culpa é minha, da minha mãe. Conta atrasada? Só está cumprindo ordens. Não tem culpa se não pagamos a conta. Não tem culpa se nos distraímos ou se faltou mesmo dinheiro. Não tem culpa se a energia é hoje um gênero de primeira necessidade para sobreviver. Não tem culpa se o leite azedou, se o queijo tá cheirando a podre, se o meu pai trabalha de segunda a domingo para tomar uma cerveja gelada no final da noite, e agora ela esquentou.
Ninguém tem culpa.
Aliás, lembro que a JUSTIÇA não sentiu culpa nenhuma quando cortou a energia do Prestes Maia, deixando mais de 2.000 pessoas sem força, seja para dar um banho quente nas pequenas crianças, seja para subir os 20 andares do prédio.
Ninguém sentiu remorso ou culpa pela Sarah que tinha quatro anos e não pode por isso ir para a escola estudar. Aliás, quase ninguém sentiu. Só eles.
Quero saber quem inventou essa lei que permite cortar a luz de quem não paga a conta! As pessoas não são caloteiras porque querem caralho, não a maioria. Se não pagam é porque não podem. Ou é por necessidade. Ou esqueceram mesmo, como foi o caso.
Dá muita raiva ver a falta de respeito para com as pessoas. A falta de cidadania. A falta de respeito com os pobres, os miseráveis, os trabalhadores, que fazem de tudo para manter a ordem e pagar as contas em dia.
Dá muita raiva ver as pessoas presas na miséria, dormindo ao relento nas ruas, enquanto os ratos se dialogam e, livremente, entre elas caminham.
E digo isso aqui porque eu vi e preciso dizer. Não sabia como falar. Não é uma expressão poética!
E justo hoje, no aniversário da minha mãe, cortaram a luz da minha casa! Chegaram assim, na surdina. Cortaram no poste. E nem para avisar se dignaram! Deixaram apenas o bilhete. Cortaram a luz da dona Izilda. Macularam a minha mãe, o seu dia.
Para ela tristeza, uma baita humilhação. 'Cinquenta e quatro anos, isso nunca aconteceu na minha vida'.
Para mim foi covardia!
Cena mais triste, só lembrando da mãe que conheci lá na vila dos Papeleiros. Tinha como sonho um piso. O motivo? Os ratos não comerem mais a perna de seu filho...
Também não há nenhuma força poética nisso.
JUSTIÇA. Justiça o caralho! Por que não vão cobrar o que deve o Jorge Hamuche? Sabe, o empresário, o proprietário? Deve mais de 05 milhões de IPTU. Falo e comprovo! O rico proprietário, empresário e caloteiro, deve mais do que vale o seu prédio. Pergunta se o prédio foi tomado. Não, ‘vamos negociar’, dizem. ‘Vamos perdoar parte da dívida’.
Filhos de uns desgraçados. Perdoar as dívidas de quem deve pouco ninguém quer. Negociar a dívida do remédio, a dívida do açougue, da mercearia. A conta atrasada da água, luz, aí não dá!
Oh JUSTIÇA: tira essa venda da cara! Pára de fingir de cega, surda e muda. Pára de se omitir e toma logo uma posição. Se assuma! Tenha pelo menos uma vez uma atitude digna na vida, assuma o seu lado. Assuma que gosta de quem tem dinheiro. Assuma, como aquele político, que você acha que o povo tem cheiro de cavalo. Assuma o seu cinismo, o seu mau-caratismo.
Fazer essa cara de boazinha, ‘defensora dos direitos, da verdade, da democracia’, não rola. Ninguém acredita mais.
Agora, cortar a energia no Aniversário de minha mãe. Na surdina. Minha véia, minha mainha. Não dá. Aí é provocação demais...
Depois me chamam de radical, de rebelde, de violento.
Tomara que eu seja mesmo!
Não consigo esquecer no picho que li outro dia, em um banheiro:
"Odeio vítimas que respeitam os seus carrascos."
Tomara que eu não respeite mesmo!
Nenhum comentário:
Postar um comentário