sábado, dezembro 23, 2006

"A geografia que me importa é o território dos afetos..."

como ele disse que gostou (rs), reproduzo aqui o diálogo que tive com meu amigo Fernando Evangelista, jornalista, com várias matérias na Caros Amigos.

Fernando vive em Malta, Europa. Desde o Fórum Social Mundial, 2005, onde nos conhecemos pessoalmente não nos vimos mais mas, vamos nos falando, né Fernando?

Olha que coisa linda que ele enviou via email, frase do tio Emanuel:

"Realmente, a geografia que me importa é o território dos afetos."

Fernando, te Admiro muito. Saudades


segue abaixo então o texto

"Meu caro Amigo Fernando,

Não apenas ao leitor desavisado, que recebe suas palavras ao vento – verdadeiras tempestades – e tem a possibilidade do exercício de reflexão, você faz a mim um pedido mais direto: gostaria de saber a sua opinião sobre o texto “Vale a pena ser Jornalista?”, Caros Amigos nº 117, Dezembro de 2006.
O título em si já é uma provocação. “Vale a pena ser Jornalista?” poderia ser substituído por “Somos imprescindíveis?”, questões extremamente relevantes neste mundo dito Moderno e no qual os Jornalistas, na maioria das vezes, prestam-se a um desserviço a população, reproduzindo discursos prontos, deturpando depoimentos e a realidade para preservar o próprio rabo e o status quo.
Você próprio responde a questão, de maneira exemplar. Ser jornalista vale a pena se for para ‘desafinar o coro dos contentes’. Lembro ainda de Pessoa: ‘tudo vale a penas se a alma não for pequena’.
Aliás, no mundo de hoje, onde tudo que é sólido desmancha no ar, onde – supostamente – dizem não existir mais ideologias, foi decretado o fim da história, a vitória do Capital, o jornalismo se torna imprescindível.

“Quando os crimes acontecem como a chuva que cai, ninguém mais grita: alto!
Quando as maldades se multiplicam, tornam-se invisíveis.

Também os gritos caem como chuvas de verão.” (Bertolt Brecht)


Penso que o seu texto deveria ser adotado nos cursos de jornalismo deste país. Se eu fosse professor de jornalismo, o faria. Porque se o jornalismo é imprescindível, mais necessário ainda se faz explicar que tipo de jornalismo é imprescindível. Porque de mediocridades estamos cheias, a maldade, a mentira, tornaram-se banais, cotidianas. Como o professor, o poeta, o jornalista precisa armar-se para romper este muro, esta redoma de vidro invisível que insiste em nos manter na mediocridade, ignorando os problemas, tentando salvar o próprio umbigo.
Infelizmente, jornalismo hoje é shownarlismo, como bem escreveu o Arbex. Não importa a análise da notícia, o que importa é o espetáculo. Não importa a busca da verdade – ainda que seja sempre possível questionar o que é a verdade – o que vale é o entretenimento. A mídia julga, condena e executa pessoas, com total impunidade.
Gosto do seu texto porque ele tem um aspecto fundamental: recupera o papel do jornalista. Ou seja, aquele camarada crítico, que assume a sua parcialidade sim, mas que não impede de exercer um julgamento, uma análise de juízo, de criticar os seus próprios valores e tudo aquilo que acredita quando se faz necessário. O papel do jornalista que vai ao front, ouve todas as partes, pisa no barro, vê a senhora ser assassinada, questiona as maldades, questiona porque elas se tornaram invisíveis. O jornalista em si é um provocador. Um questionador nato da realidade, do sistema, da política, da sociedade e, acima de tudo, de si mesmo.
O que penso que faltou citar no seu texto, mas é extremamente perdoável tendo em vista que conheço os textos que você escreve e só percebi que faltou porque encontro esta qualidade nos seus textos mas não foi citada aqui, é a sensibilidade que o jornalista deve ter ao escrever suas matérias, suas notícias. A paixão, a emoção, que podem ser postas sem prejudicar a (im)parcialidade, uma análise mais racional presente no texto. Uma reportagem não pode ser um ‘boletim de ocorrência’, simples enumeração e citação de fatos – como não pode ser a reprodução de discursos feitos em gabinetes ou releases. É preciso ter uma literatura no texto jornalístico. É preciso imaginar a carne putrefata, a criança morta, o cheiro de podre ou o cheiro das rosas. E isso você tem. É preciso ser jornalista mas é preciso, acima de tudo, ser humano. E tratar as pessoas de suas reportagens como tal. Você tem isso, essa sensibilidade. Você não apenas descreve uma notícia, você a vive. Você a respeita. Talvez por estar no front, por observar os sofrimentos, as conquistas e derrotas, talvez por isso você tenha essa sensibilidade. E ela é indispensável àqueles que querem ser chamados de jornalistas. Penso.
Eliane Brum, uma jornalista da Época (eu acho) lançou um livro chamado A vida que ninguém vê. Fantástico! Esta é a sensibilidade que eu falo. Encontrei nela, encontrei em você. É isso o que difere vocês de simples jornalistas. E é isso que faz o jornalismo valer a pena. Se possível, leia o livro. É muito bonito.
Fernando, parabéns pelo texto. Gostei dele. Acredito que ser jornalista vale a pena sim, se for para ser como você citou. Porque o Chico Buarque pode dizer para quem ele quiser que a repressão acabou, que não vivemos mais em dias tão difíceis mas, muito próximo de minha casa vejo pessoas serem executadas, queima de arquivo, ‘cala-te bocas’ e muitas vezes eu preciso calar a minha para não prejudicar outras pessoas. E a mídia sabe destas mortes mas, silencia. Como soube das chacinas pós PCC e nada falou. Como sabe das mortes cotidianas na periferia ou dos trabalhadores cortadores de cana, mortos de tanto trabalhar, mas preferem cobrir a crise dos aeroportos, o choro da classe mérdia frustrada.
Seria muito bom ter jornalistas como você mais próximos da gente.
Forte Abraço

Rodrigo Ciríaco"

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