sexta-feira, março 06, 2009

HEY! TEACHER! LEAVE THE KIDS ALONE (?)

“Entre Muros” é um filme importante. Não porque fala sobre educação, mas principalmente porque fala sobre a escola. A partir da visão de quem está na escola, e está disposto a falar, dar a cara a tapa sem enaltecer apenas os problemas e dificuldades ou cobri-las de falsos elogios. Mostrar a vida como ela é, ou melhor: como ela está.

O filme foi baseado na obra de Francois Bégaudeau, professor de francês e nas suas experiências de ensino. E acredito que aí está a riqueza, além da sua própria atuação no filme e de vários alunos, desafiados a improvisar o cotidiano de uma sala de aula.

Quando finalizamos a sessão de pré-estréia do filme, a convite da Revista Época, uma das alunas fez um comentário muito significativo na minha opinião: “O que eu achei interessante é que os diálogos são bem vivos, bem realistas. Se mudasse apenas o cenário da escola, colocasse uma sala de aula, um espaço mais parecido com o nosso, podia muito bem falar que era uma escola do Brasil”. E em grande parte do que ela disse, é verdade.

O filme traz o retrato de um ano letivo numa escola pública da periferia de Paris. Primeiramente observamos o grupo de professores, à volta as aulas, apresentações, expectativas; depois os alunos, o encontro entre velhos amigos, as surpresas do “novo” e, finalmente, o encontro, que muitas vezes parece mais uma trombada: docentes e estudantes, juntos, na sala de aula.

Por se tratar de um filme que aborda principalmente as relações pedagógicas e sociais dentro da instituição escola, ele toca em questões cotidianas, quase banais para a maior parte dos profissionais que faz parte deste lócus, mas que são universais, pertinentes – acredito – em qualquer lugar do mundo: seja uma escola do sertão do Pajeú, em Pernambuco, seja uma escola canadense ou chinesa: a comunicação muitas vezes truncada entre educadores e estudantes, os conflitos de gerações, sociais, culturais e econômicos; o questionar da autoridade, a indisciplina, a dificuldade do mestre em lidar com determinadas situações, nossas limitações e acertos. Talvez este enfoque sobre o cenário da escola tenha sido o responsável para o filme ter obtido tamanha repercussão em diferentes países.

Longe da áurea de romantismo ou desqualificação e criminalização total das pessoas que rondam sobre o tema, “Entre os Muros” expõe o recorte do cotidiano escolar de uma forma mais realista, com um olhar que procura mais entender do que julgar. Trazer indagações, questionamentos sobre este ambiente, mais do que apontar o dedo para vilões e mocinhos, anjos e demônios. Se bem que eles existem, dentro e fora, dos dois lados do muro.

Principalmente por ser professor, existiram várias partes em do filme que houve empatia minha com alguns personagens, ou que estabeleci relação com determinadas situações que vivencio na escola, seja pelo fato de ter acontecido comigo ou de ter presenciado com colegas e alunos: as conversas na sala dos professores, a perda da estribeira de um docente que não consegue trabalhar; o conselho de classe na qual duas alunas tem uma postura extremamente desrespeitosa, mas nenhum adulto lhes chama a atenção, a agressão verbal do professor a duas alunas dentro da sala de aula (chamando-as de vagagunda) e, o extremo: a agressão física de um estudante a outro dentro da sala de aula.

Apesar das semelhanças de situações de lá e cá, não significa dizer que as escolas públicas da periferia de Paris são iguais as da periferia de São Paulo. Longe disso, cada lugar guarda as suas especificidades e riquezas, mas o filme demonstra o quanto as relações entre professor e aluno são parecidas e destaca como a postura de um professor pode fazer a diferença – ou não - no cotidiano escolar e na vida do aluno. E isso é um fator a ser considerado.

Mas é preciso ficar claro: as escolas não são feitas apenas de relações humanas e, se alguns professores podem fazer a diferença, ela será mínima se não houver planejamento, organização, disciplina, compromisso, responsabilidade e seriedade em todas as instâncias que envolvem este trabalho. Apesar dos diálogos serem parecidos, não significa que as unidades escolares sejam as mesmas e que os alunos tenham o mesmo aprendizado. A estrutura, o ambiente escolar faz diferença, assim como o número de alunos em sala, os programas curriculares, as políticas educacionais, a fiscalização, o salário dos profissionais da educação, entre outros. Não queremos “super-heróis” salvando algumas escolas. Queremos trabalho sério, em todos os lugares. Fazer valer o que é de direito, para todos.

Enfim, “Entre Muros” é importante menos por falar sobre a Educação, no geral, mas por trazê-la para a cena. No caso a tela. Um tema reconhecidamente imprescindível no discurso de políticos, burocratas, editores de jornais da mídia impressa e falada e pais quando se pensa no futuro do país, mas que não merece a devida atenção e dedicação nas ações, na nossa prática cotidiana: há sempre uma crise, um acidente, um problema, parece haver sempre algo mais “importante” para se preocupar do que com a famigerada Educação. Ou quando se aborda sobre o assunto é sempre de maneira superficial, sem tocar no cerne do problema. E é extremamente necessário falar sobre este tema, agir. Sem medo, sem cortes, sem censuras, seja de qualquer parte. A escola, sozinha, entre muros, não redimirá o nosso caótico mundo. Mas é um grande passo neste longo caminho. Todos sabemos disso.

Chega de colocar-mos apenas outro tijolo no muro.

R.C.

Nenhum comentário: