Thich Quang Duc. Thich Quang Duc. Posso perguntar, ninguém lembrará do seu nome. Há tempos ele não aparece mais nos jornais. Sua estátua não está nos panteões dos heróis. Sua foto não foi a mais reproduzida da história. Sua abnegação material não é algo a ser seguido. Nem a sua trajetória. Ainda assim, a imagem de seu corpo em chamas permanece lá, firme, presa no baú escuro da minha memória junto a outras lembranças que eu jamais terei perdido.
Thich Quang Duc. Sua determinação me causa inveja. Eu queria ser assim como você e superar todos os meus momentos de dor. Todos os meus medos, todos os meus conflitos. E num gesto único, ainda que para muitos fosse trágico, protestar contra este mundo, protestar contra toda a miséria deste mundo, a miséria do homem, e mostrar que nem todos se omitem. Nem todos compactuam com essa música repetitiva, essa dança macabra. Queria mostrar que estou disposto, preparado para a elevação da alma e sacrifício do espírito, Thich Quang Duc.
Você está esquecido. Para muitos, sua morte não valeu nada. Nas escolas, poucos conhecem a sua história, conhecem a Ásia, já ouviram falar de Vietnã ou Budismo. Alguns acham a sua desgraça motivo de graça. Até inspiração. Adoram pegar gasolina e atear fogo em índios e mendigos.
Mas eu não te esqueço, Thich Quang Duc. Queria ter a sua coragem e me instalar na Praça. Aquela, do Povo. Fazer um círculo no chão da onde não podiam passar transeuntes. Dar-me um banho de gasolina. Sentar na posição de lótus e meditar. Entrar em transe. Copular com o mundo. E quando todos menos esperassem, acender o incêndio. Botar fogo ao meu próprio sangue. Fazer fervê-lo. A primeira explosão da chama expandindo-se, BOOM, assustaria a todos. Causaria horror. Afastaria-os. Mas aquilo não é um corpo voando pelo ares. Aquilo é apenas um homem sentado, queimando vivo. Sereno, sem desespero, sem pedir ajuda. Apenas queimando vivo. O completo controle da situação. O horror daria lugar à contemplação. Sem entender, eles se aproximariam. E como você, Thich Quang Duc, eu não daria um pio, não faria um pequeno gesto. Meu silêncio é o meu protesto. Iria apenas respirar fundo e meditar. Até ser consumido.
Do que restasse, que fosse cremado. Seria pedir demais que o meu coração, como o seu, sobrasse intacto, para que aos homens fosse surpreendido? Como você, não quero virar santo. Quero apenas te igualar, Thich Quang Duc. Na superação da dor. Na superação disto que me corrói, me aniquila por dentro, enquanto as pessoas passam ao meu lado indiferentes a tudo. Indiferentes ao que acontece no mundo. Eu quero despertá-las, Thich Quang Duc. Despertar o meu Nirvana. Ser a personificação desta revolta muda, mas não insensível. As chamas estalando serão a minha fala. Chega de falsas palavras. É o fim. Não esperaria mais nada. E como você, Thich Quang Duc, eu estaria pronto. Pronto para ser esquecido.
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