hoje teve reunião de pais na minha escola. dez horas da manhã, pais, irmãos, alunos, alunas, responsáveis foram chegando a escola. ajeitando-se no pátio. mais de duzentas pessoas. de pé, sentadas. encostadas em alguma coluna. acomodadas em alguma parede.
nesse cenário, a direção havia pedido que Os Mesquiteiros apresentassem uma parte do espetáculo. duas pequenas cenas, esquetes. foi-se lá o Jorginho, de Sérgio Vaz, e o conto Pratos Limpos, de minha autoria.
Liliane, minha aluna que faz Jorginho, pegou de vez o jeito da coisa. a voz tímida, calada, que desejava o grito mas parecia que nao tinha pulmões, desabrochou. o pátio ouviu a voz da aluna que quase não tinha voz pra responder, em sala, a chamada. uma beleza de figura feminina, ainda menina, que vivia escondida. e agora sorri, irradia por onde passa: luz, sol e esperança. seu Jorginho de hoje foi lindo, tão bom quanto o último, que ela apresentou na Ação, e fez especialmente para o Vaz. foi lindo. pela primeira vez, na apresentação das cenas, o público nem esperou acabar a peça para aplaudir: bateram palmas ao final da primeira apresentação mesmo.
depois, leitura de um texto individual pela Gabi, enquanto eu e a Jéssica arrumávamos o cenário para o Pratos Limpos. este era o prato principal da noite. ou melhor, da manhã. uma porque é uma esquete que escrevi sobre a escola, e não há nada mais emocionante do que vê-la encenada no espaço onde nasceu. outro, porque é um chacoalhão na miséria, na pobreza que habita cada um de nós: o descaso com o outro. porque não é fácil a vida das tias da cozinha e da faxina. o trabalho delas, as coisas por quais passam. o desvalor que recebem. e terceiro, porque continha uma provocação especial aos professores e professoras. aqueles, quase 116 (cento e dezesseis), que não se dignaram a mover-se um dia para prestigiar os alunos na escola. mas ok, "a vingança não é um prato que se come frio? porque que eu não posso botar um tempero..."
e não só botamos o tempero. Jéssica também fez uma apresentação energética. vai longe essa menina. uma atriz perfeita. pronta para qualquer espetáculo. sei que ela vai ler isso. espero apenas que nao se "ache" muito. mas, pois bem, voltando. o "frisson" da apresentação foi a hora que diz: "mas tem uma coisa. não é só aluno que faz esse chiqueiro não. professor é bichinho porco também." a galera riu. não para ridicularizar os professores. riu da piada. riu porque é verdade. riu porque professores e professoras, enquanto educadores, são seres humanos. e erram. alguns, mais do que os outros. outros, pior: não reconhecem o erro.
a apresentação foi ótima. muitos aplausos, congratulações. da parte da comunidade, alunos e, principalmente das tias da cozinha. fui especialmente conversar com elas depois, para saber o que acharam, para saber se não haviam ficado chateadas - afinal, a vingança da cozinheira, é "cuspir" na merenda dos alunos. disse que sabia que elas não fazia isso. ali, estava expressa a minha vontade e raiva ao ver o que elas passaram. mas elas entenderam. estavam super felizes. por serem reconhecidas. por estarem vivas, com suas contradições visíveis. e por serem "vingadas". tem coisa melhor que isso?
não, apenas pior. os professores nao gostaram nada da provocação. disseram que não são porcos. que eu devia tomar mais cuidado. que eu devia dar nomes aos bois. as vacas. vários ficaram fazendo cara feia. de quem não comeu, não provou, mas já não gostou. a única coisa que eu disse foi que, se o professor ou professora não faz esse tipo de coisa, não havia porque ficar "indignado". não resolveu.
okei. que fiquem com a sua indignação. eu também tenho as minhas. como todos temos. o que mais me surpreende é que ninguém fica indignado com a situação das cozinheiras, das faxineiras da escola. ninguém fica indignado se o aluno também é provocado na peça, chamado de porco. ninguém fica indignado de dizer que a molecada não presta, que a comunidade é ruim porque tem muito nordestino, ninguém, na sala dos professores, fica indignado com a falta de caráter, escrúpulos de alguns colegas. com a falta de cooperação, coletividade, solidariedade. só ficam chateadinhos, nervosinhos, quando pisam nos seus calos. quando eu os chamo de porquinhos. nãooo..., isso não. isso não pode.
mas, a cena mais cômica, foi ir na sala dos professores meia hora depois da apresentação e ver: a realidade nua, crua, sempre superior - e mais verdadeira - do que a ficção. copos de água espalhados pela mesa. marcas de café caído, derrubado sobre a toalha. farelo de pão, bolacha, bolo. um prato jogado. talheres sujos sobre a geladeira. sujeira.
alguém já disse: algumas vezes, ações valem mais do que palavra.
e como diz arnaldo antunes:
"uh, uh, uh, ô professor:
quem não sabe nada é o senhor!"
salve,
rodrigo ciríaco
em luta constante contra a mediocridade:
em primeiro lugar, a minha própria
p.s.: quando vieram reclamar comigo, que eu tava muito "revoltadinho", que devia tomar mais cuidado com o que escrevia - o povo com zelo excessivo por mim, já viram? - a minha vontade era responder que o meu problema, na verdade, era "falta de sexo." isso mesmo, falta de sexo. não que eu ache que eu tenho um problema, muito mais esse, mas é que eu fiquei indignado com uma colega docente que eu considerava muito que veio me perguntar, de uma maneira bem irônica e séria, se eu queria que ela arranjasse alguém para me aliviar. afinal, uma pessoa revoltada com a miséria do mundo, as mazelas da escola, só pode ser uma pessoa que não trepa.
não sei como, respondi educadamente que meu problema não era sexual, mas político e pedagógico. disse ainda que não precisava da ajuda dela, caso achasse que isso fosse um problema, e que eu podia me virar sozinho (meio ambíguo isso). e lembrei, de uma frase antológica escrota, de uma cara escroto, chamado Paulo Maluf: "o problema das professoras é que elas são mal casadas."
quer dizer, dentro da lógica do que ela disse, se ela achar que está certa, e que meu problema é esse, a falta de sexo, talvez ela deva acreditar que o Maluf também está certo.
fica a pergunta: o pessoa professora, você é casada?
2 comentários:
MUITU BOOM MUITU BOM QUE TEXTO LOCO....
rodrigo,
nossa, como eu te entendo. puxa, dá um aperto tão grande, mas tão grande em ler tudo que vc escreveu. Há tanta coisa pra comentar no seu texto. Sabe, moro atualmente no Japão, e trabalho em uma escola pública do ginásio daqui. Eu já trabalhei no Brasil também dando aulas no estado. Tá certo, não dá nem pra comparar, é outra realidade, mas a primeira coisa que a gente vê aqui de mais legal, é a valorização do trabalho das cozinheiras.
Um forte abraço
madoka
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