- Professor, eu não entendi a questão 03...
- Tá. Senta aí. Lê pra mim a questão.
- "Na África do Sul, uma das línguas oficiais é o inglês, outra é o zulu. Por quê?"
- O inglês é uma língua originária da África do Sul?
- Não.
- Quais os países de língua inglesa?
- Não sei.
- Pensa um pouquinho...
- {silêncio}
- Olha, a gente tem os Estados Unidos, a Inglaterra. Os Estados Unidos falam inglês porque foram colonizados pelos...?
- {silêncio}
- Então, vamos lá, Gabi. Deixa eu te perguntar: Portugal fica aqui?
- É.
- A gente mora em Portugal, Gabi?
- Não sei.
- Gabi, a gente mora em Portugal?
- Não.
- Qual é o nosso país?
- {silêncio}
- Vâmo lá, em que país a gente vive?
- São Paulo.
- Não, não, São Paulo não é um país. É uma cidade. Qual é o nosso país? O que nós somos?
- {silêncio}
- Ó, deixa eu te dizer. Eu acho que você tá nervosa, não tá raciocinando direito. Então, respira fundo, fica calma, eu não mordo, se você errar eu não vou brigar, quem tem que saber as coisas aqui, principalmente, sou eu, tá? Eu só quero que você se concentre e pense um pouquinho antes de responder, ok?
- Tá bom.
- Então ó: São Paulo é uma cidade. A nossa cidade. Também é um estado, certo? E país, em qual país nós vivemos?
- {silêncio}
- Brasil, Gabi! Nós somos brasileiros, não?
- Ah, sim.
- Que língua nós falamos?
- O português.
- Exato. E nós falamos português porque fomos colozinados por...?
- {silêncio}
- Quem colonizou, quem invadiu, quem dominou estas terras que hoje a gente chama de Brasil, Gabi?
- Não sei...
A mesma aluna não conseguiu identificar o continente africano - num mapa da África -, não conseguiu localizar e intepretar informações da legenda, não conseguiu responder a várias outras questões simples. Está alfabetizada e, há três anos, estuda comigo (6ªs, 7ªs e agora, 8ª série). Todas estas questões já foram abordadas em sala de aula, nos anos anteriores, exaustivamente explicadas e trabalhadas. E o que mais me assusta é:
1) Ela não é a única a ter estas dificuldades;
2) Ela esta há três anos comigo e eu não consegui desenvolver/estimular a sua capacidade, não da maneira esperada e desejada e;
3) Não vejo perpectivas de mudanças tão em breve. As aulas de reforço são medíocres, as salas de aula continuam cheias, o que dificulta em muito para eu dar uma atenção mais especial para ela e outros que possuem dificuldades semelhantes - ou mais agravantes -;
4) Eu vou me sentindo um lixo, um incompetente, por fazer parte disso, acompanhar tudo isso e não dar conta de transformar isso;
5) Sabendo que é possível mudar. Basta competência, vontade política, humana e vergonha na cara pra fazer o que precisa ser feito. Nada de receita pronta. Trabalho.
Mas, DE VERDADE, quem se importa? E, acaso se importe, o que anda fazendo?
3 comentários:
E ae Rodrigo!
Pena mesmo que isto não seja um conto!
Mas sei que é por esse tipo de situação que as mentes (bem poucas) se inquietam e continuam a lutar!
Um abraço.
Olá, Ariana.
Sim, seguimos firmes na luta. Não tem outro jeito.
Abraço,
r.c.
Mano tem dia que saio tritão das aulas na Fundação CAsa me deparando com situações semelhantes e com um sentimento de incapacidade que parece uma doença contagiosa que se eu deixar domina e me leva ao naturalismo das coisas ..do tipo "Ah é assim mesmo, fazer o que?"
MAs quado respeito mais um pouco vejo que devo insistir porque ali pra justamente não contribuir ainda mais com essa realidade.
O que mais me doeu esses dias foi ter ficar uma aula inteira tendo que debater e colocar em cheque idéia de um adolescente que acredita que ele é criminoso porque já nasceu assim, que tá no sangue dele, como está no de alguns e nos de outros não!!!
Pelo menos nesse dia percebi que ele se sentiu tentatdo a não abraçar essa idéia, no final da aula ele foi pro exame médico e eu falei pra ele .." Ah já que vc vai pro exame médico tenta lembrar por quantos médicos vc já foi atendido que mora perto da sua casa, que lembra você ou seus amigos, parentes e conhecidos, ou se algum menino aqui disse que conhece algum médico porque mora perto da casa dele ou coisa parecida" ...e completei ..."será que a gente não é médico porque não ta no nosso sangue, será?"
Ele me olhou com uma cara de raciocionio e me valeu toda aula , mas tem vezes que o fracasso é pleno
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