domingo, março 22, 2009

PROVA DO CRIME - conto

Morrer é pouco. Para um estuprador, um pedófilo, morrer é muito pouco. É preciso fazê-los sangrar. Com arte, com técnica. Fazê-los sofrer. É. Sabe o que eu acho devia fazer? Devia era pegar esses caras e amarrar em praça pública, como se fazia antigamente. O suplício. As mãos, os braços e as pernas afastados, bem separados. Abaixar a calça, rasgar a sua cueca e com uma faca bem afiada, passar no pinto. Castrar os filhosdaputa, castrar. É uma excelente opção. Depois, pegar um punhado de sal grosso e apertar com força sobre a ferida. Para que doa na alma. O pinto podia jogar para os cães, se eles quisessem. E aí, só aí, poderiam prendê-los. Deixar apodrecer no fundo de uma cela escura e imunda, por pelo menos uns trinta anos. Estaria bom. Aí sim eu ficaria um pouco satisfeito. Só assim. Matar não. Matar, pra eles é a redenção. E eles não merecem o paraíso.

Eu tinha cinco anos. Faz mais de vinte anos que aconteceu mas eu ainda me lembro. Eu tinha cinco anos. Era julho, eu estava de férias da escolinha. Uma manhã chuvosa de inverno. Meu pai tinha saído para trabalhar. Minha mãe fora fazer compras. Deixou-me sozinho com um tio que morava no interior. Eu tinha cinco anos. Ele uns quinze. E um jeito um tanto afeminado. Mas não era viado, diziam. Pois bem, depois de um tempo que minha mãe saiu, ele quis brincar comigo na chuva. Eu gostei da idéia. Ficamos no quintal. Corríamos para escorregar sobre o piso de azulejo molhado. Ele pegou um pouco de sabão em pó e jogou no chão. Fez bastante espuma. Nós corríamos, deitávamos, rolávamos. Para mim era só brincadeira, pura diversão. Pra ele não.

Depois de um tempo, fomos para o quartinho das bagunças, no fundo da casa. Lá tinha várias coisas, bugigangas: alimentos, roupas, sapatos de minha mãe. Ele separou uma bota preta de couro de cobra que minha mãe adorava. Pediu para eu calça-la. Eu o fiz. Depois tirou minha camiseta molhada, minha bermuda, pediu para eu colocar uma saia e uma blusa. Eu o fiz. Eu não tinha malícia. Ele disse que íamos brincar de casinha. Ele ia ser a mamãe. Eu, a filhinha. Chamou-me para sentar no seu colo. Eu sentei. Ficou brincando, falando com voz de criancinha, como se eu fosse um bebezinho. “Ah, hum, nenezinho gotozinho. Quer chupetinha, quer?” Colocou a mão no meu pinto. Eu deixei. Achei engraçado. Ele ficava mexendo, pra cima e pra baixo. Lembro até fiquei de pau duro. Foi quando ele enfiou a mão e colocou a cueca de lado. Enfiou o dedo no meu cu. Eu disse: “Pára, tá machucando.” Ele me pediu para relaxar. Era só brincadeira. E continuou. Eu dizia para parar, mas ele continuava. As vezes me apertava, me dizia no ouvido “Gostoso. Fica calmo. Você vai curtir”. Me colocou em cima de uma mesa. De quatro. Abaixou as minhas calças e, me penetrou por trás. Com força. Eu gritei. Ele tapou a minha boca, me mandou calar a boca, e continuou: pra frente e pra trás, pra frente e pra trás, me segurando, me apertando e, eu apaguei. Apaguei tudo, juro. Tento me lembrar como foi a partir dali, o que aconteceu mas, não dá. Bloqueei.

Eu encontrei com ele várias vezes depois. Era irmão da minha mãe. Hora nos víamos quando íamos para o interior, hora quando ele vinha para cá. Nunca mais tocou no assunto. Eu também não. Eu não entendia o que havia acontecido, se tinha sido só um pesadelo, alucinação. Duvidava, custava acreditar que tinha feito. Quando tinha certeza, não entendia a gravidade da situação. Pensava que tinha sido uma brincadeira de muito, muito mal gosto. Eu não entendia o fato. Não entendia o que aquilo tinha significado. Não como entendo hoje. Com o desprezo, o nojo. Porque, o senhor sabe, ninguém tem o direito de interferir assim na vida de uma criança. Ninguém tem o direito de cometer tal abuso, tal absurdo no seu corpo. Aproveitar-se da sua inocência, fazer algo dessa maneira, forçado, sem o consentimento. Uma criança de cinco anos pode consentir em alguma coisa? Eu não podia, eu não sabia o significado daquilo. Ele sim, ele sabia. Ele não era mais tão inocente. Quinze anos. Várias pessoas já o chamavam de viado naquela época. Sua mãe já havia até encaminhado ele pra fazer tratamento psicológico por causa disso. Ele sabia o que estava fazendo. Eu não. E você não sabe o tamanho da violência que é uma criança sofrer um abuso sexual. O desvio na rota da sua vida, os traumas, as neuras; a mancha que isso traz a sua trajetória, ao seu caminho. Coisas como essa volta e meia martelam a sua cabeça, fazem a gente lembrar. Daria anos da minha vida pra não lembrar desse ocorrido. Não ficar pensando, esquecer. Eu só queria esquecer. Mas eu não esqueci.

Por isso que fiquei feliz quando agora ele quis ficar na minha casa. Vinte anos depois, olhe só. Disse que tinha um curso para fazer aqui em São Paulo, minha casa ficava no centro da cidade, ficaria mais fácil. Perguntou se tudo bem, eu falei: “Sem problema. Pode vir.” Eu quase pude sentir a sua risada no telefone. Ele gostou da idéia. Achou que ia ter uma segunda chance. Eu também.

Ele chegou na sexta-feira. Todo sorridente, uma caixa de bombons nas mãos, só faltou as flores. Nos abraçamos, ele beijou o meu rosto. Conversamos bastante, naturalmente. Há muito tempo que não nos víamos. Falamos sobre coisas triviais: família, trabalho, primos. Demos boas risadas. Ele estava casado fazia sete anos. Tinha dois fillhos. O mais novo, Denis, de dois anos. Thiago, o mais velho, cinco. A mesma idade que eu tinha quando ele roubou meu sorriso. Tomamos vinho, comemos uma porção de salame. Ficamos bêbados. E fomos deitar. Eu na minha cama, no meu quarto. Ele também.

Ele me beijava com delicadeza, com calma. Sentia carinho por mim. Eu queria uma coisa mais raivosa, agressiva. Rasguei a sua roupa, coloquei ele de quatro e comi o cu dele. Comi com força, o fiz sangrar, como ele havia feito comigo. Ele me chamou de pauzudo, gostoso. Fiquei com mais raiva ainda, tive vontade de bater na cabeça dele com o despertador que estava sobre o criado-mudo. Mas me contive. Falei que estava só começando. Apresentei os meus acessórios para o segundo round: quatro algemas. Ele ficou meio contrariado, mas concordou. Algemei seus punhos e tornozelos, cada um nos quatro cantos da cama. Ele ficou aberto, feito uma estrela. Eu me levantei. Ele falou: “Hei? Onde cê vai? Volta aqui.” Eu não disse nada. Fui na cozinha, peguei a faca. Você não sabe, mas demorei trinta dias pra deixá-la afiada. No ponto de bala. Dava pra cortar um fio de cabelo no meio com aquela navalha. Voltei. Na hora que ele viu o tamanho da lâmina, seu sorriso tremeu. “O que você vai fazer com isso?”, perguntou. Eu não respondi. Fui apenas me aproximando da cama. Ele começou a se debater, puxou os braços, pernas, fez força para se soltar. A cama estava reforçada, nem em dez anos ele ia conseguir. Começou a gritar, gritar, até a hora que eu segurei as bolas e o seu pau, assim, por baixo. Olhei pra sua cara, ele tava assustando. E eu levantei. Com calma e gosto puxei, devagar, e fui subindo. O prateado ficando vermelho, conforme eu ia passando, subindo. Zoom. Foi no primeiro corte, arranquei tudo. Bolas, pinto, pêlos, tudo. Ele parou de gritar. Não morreu, não. Na verdade estava sufocado. Queria gritar mas não saia nada. Parecia em choque. Eu me levantei. Tomei banho, lavei a faca, vesti a melhor roupa que tinha e vim. Não quero fugir, não tenho o porquê de me envergonhar do que fiz.

Eu não sei se ele está morto agora, seu Delegado. Deve ter sangrado bastante. A faca, a arma do crime o senhor não vai encontrar. Nunca. Ela é o meu troféu, tá guardado num local bem especial. A motivação o senhor tá sabendo agora, porque eu lhe contei. Mas se ainda estiver duvidando, estiver achando que é lorota, que eu sou louco, que tudo isso é só história, é só abrir essa bolsa térmica cheia de gelo que eu trouxe e dar uma olhada. A prova do crime tá aí. Já deve estar meio murchinha, é verdade. Mas está aí.

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