sexta-feira, março 13, 2009

PIADA DE MAU-GOSTO


Sexta-feira 13. É o dia. Dia do azar, dia do coisa-ruim, dia do sei-lá-mais-o-quê. Pra mim, foi o dia da indigestão. Dia do sapo. Duro, duro de descer e engolir a matéria do jornaleco AGORA São Paulo.

Estava passando em frente a banca quando eu vi estampado a manchete: BÔNUS DO ESTADO DEVE PAGAR ATÉ R$ 8.700 AOS PROFESSORES. Não acreditei. Parei o carro, estacionei, fui ler a matéria. 8.700 reais para os professores? Não, não pode ser. É mentira.

E é. O valor de 8.700 pode ser pago para um Dirigente de Ensino, cargo mais "alto" da carreira. Mas não é o valor que pode ser pago para um professor. Para mim, Dirigentes de Ensino não são mais professores. Talvez por formação, não pelo trabalho pedagógico, cotidiano. Dirigente de Ensino, cargos "chaves", indicados por figurões da Educação são cargos administrativos. Não confundam com professores.

E o que eu fiquei mais puto é que sim, eles vão receber os 8.700 reais, como os diretores da Escola receberão os seus quase 6.000 reais e Coordenadores receberão outra bolada. Porque o bônus, além de DIZER que é calculado pela melhoria do desempenho das escola, é feito sobre o número de faltas do profissional ao longo do ano na escola. E como um colega de trabalho já me disse: "Eu nunca vi um dirigente ou um diretor de escola não receber uma licença-premium". Por quê? Porque eles nunca faltam.

Ou vamos esclarecer melhor as coisas. ELES FALTAM SIM. Faltam demais. Nem sei tanto dos dirigentes, ouço falar, não tenho conhecimento direto de causa, mas em relação aos Diretores, em sua grande maioria, eles faltam sim. E muito.

Tem que cumprir 40 horas semanais, não cumprem. Tem que estar na escola, não estão. Tem que assinar o ponto todos os dias, não assinam. É uma farra, uma vergonha. Lembro da época que estudava e, se eu visse o diretor na minha escola uma vez por mês, não importa o período, era muito. Em mais de quatro escolas diferentes que eu já trabalhei nos últimos anos, a mesma coisa. O mais grave é numa escola que não vou citar o nome - mas eu tenho provas - que a Diretora ia uma, duas vezes por semana e, no final do mês, gabaritava o livro de ponto. Ótimo. Nota 10 para ela.

E dá-lhe bônus, dá-lhe licença-premium. Dá-lhe gratificações e benefícios. E eu? Eu me explodo. Professor não tem essa "mamata-anti-moral-e-ética". Professor tem que ir e pronto. Trabalhar como todo mundo, o que é o correto. Se não estiver em sala, está com "bolinha" no prontuário, e outro professor no lugar. Desconto garantido, afinal não dá para bancar dois professores para a mesma aula.

Mas o que me deixou revoltado com o jornal AGORA e com a sua chamada de capa foi - e é - a falta de bom-senso, jornalismo profissional e seriedade para tratar o assunto. A Educação está em crise, e não é de hoje. Vários fatores estão envolvidos nisso e, um deles, com certeza, é a falta de valorização do profissional de Educação. Nós ganhamos um salário de merda. De merda! Eu trabalho há mais de quatro anos no Estado: 25/horas aula por semana, mais umas 15 horas em casa, preparando aulas, corrigindo trabalhos, fazendo leituras. Isso, toda semana. É sagrado. Não tenho outra escola por querer valorizar a minha aula, achar que a qualidade cairá se eu ter outro emprego - segundo a CLT não é saudável um trabalhador exercer mais de 44 horas semanais de trabalho, correto? E ganho quanto? Pouco menos de três salários mínimos por mês. Três salários mínimos por mês! Para mim, que não sou casado, não tenho filhos, moro sozinho, é pouco. Sempre fico no vermelho. Imagine para um pai, uma mãe de família?

E não sou de fazer extravagância. Sou um cara caseiro, não curto muitas baladas, meu único excesso são os livros. E tem mês que não posso comprar livro, tem mês que não posso ir ao cinema, tem mês que não assisto nenhuma peça de teatro por não ter dinheiro. E tudo isso é fundamental para o trabalho docente, para a sua formação, o desafio da sua sensibilidade. Ou não? Eles exigem, exigem, exigem, mas não nos dão respaldo.

E a revolta minha maior foi por lembrar do ano passado. O mesmo jornal AGORA anunciou que os professores receberiam bônus de até R$ 5.200 reais. Lembro que foi o maior fudúncio, um monte de gente achando que a gente ganhava bem e tal e, sabe quanto eu recebi de bônus? Se prepare, hein, vai lá. Tá preparado? R$ 30,37. Isso mesmo: TRINTA REAIS E TRINTA E SETE CENTAVOS. Isso que, no ano avaliado, eu tive um projeto aprovado pela CENP - Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas - da Secretaria de Educação, pela primeira vez a minha escola recebeu uma verba de um projeto específico para ser desenvolvido e eu, autor do projeto, presente na escola, recebi míseros R$ 30,37. (Logo mais eu coloco o meu holerit aqui, para comprovar).

Não sei quanto vou receber este ano. E de verdade, não quero saber. Acho este bônus uma palhaçada, uma porcaria. A Secretaria de Educação não sabe avaliar os seus profissionais, dá várias brechas para os irresponsáveis aproveitarem-se dela e, parte da mídia, faz matérias de capa exaltando essa mentira em plena época de crise financeira mundial. Uma agressão, contra a população e contra os professores que trabalham decentemente.

Professor não tem que ter bônus, tem que ter salário digno, honesto. Mês a mês. Professor tem que ter condições para trabalhar. Deve ser valorizado e, a partir disso, cobrado. Inclusive em resultados, desempenho de alunos. Bônus, uma vez por ano, desorganizado como é, valorizando quem não trabalha, não pode.

Estou cansado demais do Estado. É excessivamente burocrático, paga mal, não valoriza os seus profissionais, não fornece condições adequadas de trabalho, não fornece material, é uma porcaria. Já recebi propostas bem melhores de emprego, com valorização, reconhecimento salarial, material pedagógico. Não fui embora por conta dos alunos. Não que algum aluno do Estado precise de mim, mas eu vejo a Educação Pública, Gratuita e de Qualidade, pra todos, como um objetivo de vida, questão ideológica. E ficar faz parte da minha militância, apesar de todas as adversidades.

Só para finalizar, no texto final da matéria, a Secretaria de Educação afirma que "é preciso excluir do benefício os professores que não colaboraram com a escola." Ou seja, o pagamento do bônus é uma punição. Eu não concordo. Não acho que é preciso excluir do benefício os professores (ou profissionais) que não colaboram com a escola. É PRECISO EXCLUIR DA ESCOLA. Em qualquer lugar do mundo é assim, o camarada não trabalha legal, não tem decência ou profissionalismo, é demitido. Por quê que no serviço público não pode ser assim? Quem disse que estabilidade é sinônimo de imunidade? Se pensam assim, aconselho a ler o Estatudo do Funcionalismo Público. Há sim coisas para se fazer contra os maus profissionais. Precisa é ter competência, organização e vontade política. E também há muito por se fazer para os bons profissionais, não nos esqueçamos disso.

Sinceramente, com essa matéria eu só consigo me lembrar da metáfora do Circo. O Circo é o Estado. Os professores são os palhaços, do imenso picadeiro que são as escolas. O problema é que nem os alunos, nem a sociedade estão rindo desta piada de mau-gosto que é o nosso ensino.


Rodrigo Ciríaco
Professor de História

2 comentários:

Pádua Fernandes disse...

No Rio de Janeiro, o ex-prefeito Cesar Maia chamou a esse tipo de notícia de "factoide", claro eufemismo. Lembro-me que, no primeiro governo dele, a então secretária de fazenda declarou para o JB um valor de vencimento-base do professor municipal que, era, na verdade, o valor cheio, com as gratificações, de um professor já com uns vinte anos de casa. Eu não era professor na época, muito menos do Município. Os professores com quem falei, no entanto, se recusaram a escrever para o jornal, desmentindo, muito menos a enviar cópia do contracheque, o que eu queria fazer.
Felizmente, você não tem medo. Quem tem medo, aliás, não pode lecionar.
Abraços,

Pádua.

r.c. disse...

Com certeza, Pádua. Na Educação, com os problemas que temos, a censura do governo, é preciso ter muita coragem e não ter medo dos riscos. Aliás, são mais boatos do que riscos verdadeiros.
Abraço,

R.C.