“Só quem é de lá sabe o que acontece.” E é verdade. Só quem vive o desafio de encarar uma sala de aula, principalmente na rede pública, sabe o quanto este trabalho pode ser estafante, desgastante. Insano. Claro, tem suas recompensas, como todo trabalho tem, sejam elas financeiras, profissionais, mas a sala de aula tem um quê de diferente.
Em fevereiro, trabalhei por três dias na loja de meus pais. Eles tem um comércio, lojinha de “1,99” no Cangaíba, Zona Leste. Pois bem, foram passar o carnaval no interior e resolveram dar uma esticadinha. Pediram para eu ficar na loja. Estava com meu tempo tranqüilo, há duas funcionárias por lá que conhecem bem a rotina. Sem grandes problemas. Trabalhei quinta, sexta e sábado, das 09hs às 18hs.
O trabalho foi cansativo: atender clientes no corredor e no caixa, receber vendedores, administrar o dinheiro, vencimentos, pagar contas no banco; fazer reposição de mercadorias, limpas estantes, passar pano no chão. Cansativo, mas nada extraordinário, nada de outro mundo e outra: um cansaço físico, somente. Tanto que eu sentia que eu saía de lá novo, pronto pra uma balada, um cineminha, uma leitura, o que fizesse. Estava cansado, não esgotado.
A comparação se faz necessária para entender. Na escola, quase todo dia, chego ao meu esgotamento físico, mental e emocional. É muita informação, é muita energia cruzando o seu dia – negativas, principalmente. É muita treta. Passo pela mesma loja dos meus pais, lancho e, quero ir para casa. Deitar e descansar, dormir. Tem dias que oito horas da noite já estou pregado na cama, babando no travesseiro apesar de inúmeras coisas que tenho pra fazer. Há noites que ir para a Cooperifa, que é uma das coisas que mais gosto de fazer, é difícil. Simplesmente, não agüento.
Não sou o único a sofrer desse mal. Milhares – diria milhões – de outros profissionais também se sentem assim, principalmente nas chamadas profissões de risco: saúde, educação, segurança – todas elas em que a tensão e a compensação financeira encontram-se em disparidades extremas. A primeira lá em cima, a outra, láááááá em baixo. E por isso, fico mais incomodado. Se fosse uma questão individual, a solução fica fácil. A questão é política. Precisamos ter melhores condições de trabalho.
E não falo da questão salarial. Já disse: abro mão de um aumento se eu tiver condições de trabalho decentes, se eu puder fazer um planejamento, ação e avaliação de que meus alunos estão aprendendo, de que eu não estou sendo explorado, estropiado, etc. Esta seria a minha maior conquista. E quando falo em condições de trabalho falo em menos alunos por sala, ambientes limpos, com número de profissionais suficientes, com profissionais respeitados, presentes, etc.
Está uma loucura as minhas quintas séries. Vários são os fatores. Primeiro: trinta e cinco alunos em sala, é muita coisa. Muitos alunos para um único professor, principalmente quando estes possuem defasagem de aprendizagem imensa. Quando não estão inclusive alfabetizados. Fiz duas avaliações "diagnósticas" por estas semanas. Diria que apenas 30% dos alunos de quinta série da minha escola deveriam estar na quinta série. Outros 35% deveria voltar para a quarta. E os 35% restante poderia tranquilamente voltar para a terceira, segunda. Não ajudasse, quase todos os dias, quando chegamos, o ambiente educativo não é dos melhores. Há carteiras demais dentro das salas – de manhã há quase 50 (cinqüenta) alunos no Ensino Médio – elas ficam amontoadas, bagunçadas (claro, não há espaço físico suficiente) e, para ajudar, as salas estão sujas. E não é aquela sujeira apenas de pichação, ou de chiclete seco preso no chão: são papéis, pacotes de salgadinhos, balas, pirulitos, lápis e outras coisas espalhadas pelo chão. O problema? Falta funcionário. Muito trabalho - pesado, diga-se de passagem - para pouca gente. E agora me diga: quem tem motivação para aprender – e para ensinar – num ambiente destes?
Outra coisa que atrapalha demais a vida é a falta de professores. Todos os dias, faltam professores demais. Pelo menos um, dois, três. Eu até entendo os motivos das faltas, que na maior parte das vezes são por questões de saúde – e não é difícil entender como que uma pessoa fica doente dentro deste ambiente citado – mas aí ter falta todo dia - porque é todo dia - e não ter uma organização sobre isso, complica tudo: não é feita uma seqüência no trabalho, os alunos ficam mais dispersos, mais falantes, mais agitados com os chamados "professores eventuais". Isso quando tem professor "eventual" suficiente, quando não tem eles ficam em aula vaga mesmo, pentelhando no corredor, no pátio (com certa razão, se não tem professor, vai fazer o quê?) e, entrar numa sala assim, já viu. Até fazer os alunos apagarem um pouco o facho, abaixarem a bola para se concentrarem em atividades corriqueiras como a leitura de um texto, a realização de exercícios, fica quase numa missão impossível. Eu peço silêncio, eu falo um pouco mais alto, eu faço um longo silêncio dentro da sala, apenas observando com um olhar reprovatório os grupos que estão conversando – sendo que muitas vezes eles me olham, percebem o meu olhar, e voltam a falar – até a hora que eu preciso explodir: gritar, mandar ficar quieto, calarem a boca, literalmente...
E aí é uma porcaria. Primeiro, porque eu não gosto desta postura. Segundo, quando você grita, você não apenas demonstra que perdeu o controle. Você se esgota. Os dias que eu preciso me esgoelar são os dias que eu saio mais cansado, mais esgotado, mais derrotado da escola. E, além de tudo, isto está gerando um problema: estou ficando com uma dor crônica de garganta. E afônico.
Tomo um cuidado excessivo com a minha voz. Ela é um dos meus principais instrumentos de trabalho. Procuro sempre deixá-la lubrificada – uma garrafinha com água faz parte do meu kit básico –, de vez em quando até faço alguns exercícios, mas ela está sofrendo. Sofrendo com as condições de trabalho, sofrendo com os gritos desnecessários, sofrendo com a rotina que estou imprimindo a mesma. Vários colegas já falaram para eu procurar um fonoaudiólogo. Que isso pode ficar mais complicado, que eu posso estar com um calo nas cordas vocais, etc. Eu sei, eu quero, mas está difícil. O plano de saúde que meus pais pagam, não cobre. No hospital do servidor público, eu simplesmente não consigo agendar. No hospital público comum então, talvez eu consiga daqui a um ano.
Bom, mais um problema que tenho que enfrentar dentro da educação. E com este, eu tenho que tomar cuidado. Se enquanto professor eu não tenho mais uma “voz política”, no sentido de que ninguém ouve o que a gente diz, ou pelo menos não quem deveria – e se ouve, se faz de surdo -, agora eu corro o risco de ficar sem a “voz falada”. Isso, para mim, é um mal que, definitivamente, eu não quero.
Ainda bem que agora tem alguns dias do final de semana para recuperar para o próximo confronto. Só vou ter que cortar a 'geladinha'. É, não tem jeito. Tudo isso é uma pena mesmo...
r.c.
5 comentários:
Oi, Rodrigo. Já pensou em procurar um otorrino? Por mais fraco que seja o convênio (e digo isso porque meu último convênio era bem ruim) sempre tem essa especialidade. E pode te ajudar bastante. Ele pode te passar alguns exercícios para você não forçar tanto a sua voz. Não precisa publicar o comentário. É só uma dica. Inté!
Salve, Rodrigo. Rapaz, é lamentável a situação em que vivem os educadores e os educandos atualmente, na rede pública. Cada vez que leio seus desabafos, fico mais grilado, porque estou pra ser chamado (a qualquer momento) pra assumir o cargo de professor na Secretaria de Educação daqui do DF. Mas é isso aí. Tem que ter os linha de frente. Abraço aí, guerreiro.
Oi, Anônimo.
Já passei em vários otorrinos, sim. O problema é que eles só querem passar remédios, tratar as consequências, não as causas. Mas valeu.
Salve, Discipulos.
Fique grilado mas aceite a convocação quando for chamado pra guerra. Tamo precisando de mais guerreiros, firma?
Querido amigo,
Sou professor a três anos e a cada dia fico mais grilado com essa situação que estamos vivendo. Não consigo mais suportar essa indisciplina na sala de aula. Penso o seguinte - Todos falam em didática, em liberdade, mas nenhum aluno sabe usá-la corretamente. Precisamos de um modelo educacional mais severo e punitivo sim, pois, se a escola não mostrar como é a vida em sociedade e as punições que há, quem mostrará?
Fico realmente impressionado com esses diretores e coordenadores alienados que há em Pinhalzinho/SP. O que eles pensam que estão fazendo?
Somente Deus nos resta agora!
Abraço
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