segunda-feira, janeiro 26, 2009

BRUXINHA* - NOVO CONTO


*Aos que foram: os oito da Candelária,
Os sete da chacina do Centro de São Paulo,
em Agosto de 2004.
Aos que foram nos outros dias,
À Bruxinha
E aos que ficam

Foi ali, meu fío. Foi naquela esqui’nali, do Centro de São Paulo, veja só, imagine! Na Praça do Correio, atropelarô a Bruxinha. Póde? Esmagarô o osso da cabeça, do peito, dos braço da coitadinha. Um ônibus assim ó: zoom! Acelerado. Um motorista apressado, veio subindo com roda, com raiva, com vontade, com tudo na calçada. Passano primeira as dianteira, depois as traseira e fez: tum! Aquele baque seco no meu peito, aquela queimação. Todo mundo parânu, as cara se horrorizanu, eu gritanu “Acode. Acode!”, mai ninguém ajudava, ninguém acudia a Bruxinha. Ela ficô foi sozinha, s’estribuchano, berrando suas última energia. Pió foi o cobradô, qui na hora botô a cara pra fora, olhô, falô: “- Pode ir, Zé. Foi nada não. Podi ir que era só uma cadela vadia”. É mole? Ele disse, eu ouvi: “- Era só uma cadela vadia.”

Não era isso não. Fazia cinco anos que ali ela vivia. Parada, pensativa, enfeitiçando a gente com as história, com as palavra. Pra maioria não cherava nem fidia, mas a gente dela gostava. Pra gente, pode iscrevê seu moço, era muito boa essa menina! Tinha seus setenta anos, bem da verdade, mas quando eu lembro daquele zóio se abrilhando na fogueira da noite escura, daquele sorriso lustrando os meus dias de chuva, eu só via era a menina. Não merecia isso não. Ser tratada como um trapo, como um bagaço fora do saco, sem consideração. Merecia?

E olhi, não foi a primeira. É como diz um meninote, que vive cantando aqui com a gente umas música com batidão forte: “O ser humano é descartável no Brasil. Feito modess usado, bombril.” Cê mi disculpe o palavreado, mas é assim mêmo. Quantos amigo que eu já não perdi nessas madrugada, com ou sem sereno? Joaquim, Pistolinha, Zélão. Dona Chica, Seu Madruga, Betão. Zé-da-pá, Maria, Manoel, Seu Augusto. De verdade, minha alma até sangra só de lembra de quem já foi. Imagina que a gente dorme e não sabe se vai acordá depois? Se vai vim algum covarde pra nus fazê barbaridade? Chegá na calada da noite pensando nas maldade? Numa paulada bem dada, num paralelepípedo jogado na cabeça só pra vê a miolada espalhada. É, tem uns que ateá fogo no lençol, nos colchão. Botá veneno e distribui as quentinha, pode acreditá, tem gente ruim nesse mundão. Já dizia o meu Jesus Cristo: “Não matarás, amarás teu próximo como a ti mesmo”. Mas ninguém escuta mais isso. Gente desajuizada do coração, qué matá só pra vê fazê careta durante o serviço. Acredita? Quando tem mais respeito, algum remorço guardado no peito, ainda chega, mete logo dois, três, tiro. É rápido, limpo, assunto resolvido. Pra gente e p´ros polícia, que esclarece tudo os crime de morador de rua assim, dizendo que foi acerto. “Era droga, era pinga, foi acerto.”

Assim qui é, meu fíi. Foi assim que foi. Os homi-da-lei chegando depois. Não inquirindo ninguém, não querendo dar nome aos bois. Fôro recolhenu o que tava restando da Bruxinha. Juntando os caco, jogando um balde d’água, um saco de pó de serra no chão. Fazendo com maior desgosto a sua profissão, com cara de pensando: é uma a menos. Doeu, meu fio, doeu. Porque ao contrário do que disse o cobradô, Bruxinha não era uma cadela não. Num tinha uma casa, num tinha posses, num tinha família, mas tinha um R.G. Crê meu fíi, acredita no que essa véia tá falando pr’ocê. Ela tinha R.G. Tinha número, data de nascimento, tinha nome de mãe. Tinha ela um nome: Dona Sebastiana. Esse era o verdadeiro nome da Bruxinha, minha amiga. Sebastiana, uma dama. Eu jamais vô misquecê.

2 comentários:

Anônimo disse...

Pois é, moleque doido.
Até quando?
Abraço.

Vicente.

r.c. disse...

Fala, Vicentinho.
Até quando não sabemos.
Apenas que a nossa literaluta vai até o fim.
Abraço