sábado, setembro 27, 2008

PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR: AS COISAS SÓ ACONTECEM COMIGO OU SÓ EU VEJO O QUE ACONTECE?

há mais de uma semana que eu não chego por aqui. bati o meu recorde sem postagens desta vez.

mas é que o negócio esta semana foi doido. demais. acho que não tive uma semana assim... bom, não lembro em nenhum outro momento da minha vida em que uma semana foi tão cheia de fatos, bons e ruins, marcantes e diversificados para comentar. para ajudar, muitas provas, trabalhos, fechamento do 3º Bimestre, ahhhhhh. pressão total! então, vou tentar fazer um breve resumo da semana, quase que dia-a-dia.

SÁBADO, DIA 20: em pleno sábado, estava na escola. segundo sábado consecutivo, reposição de aulas - da semana da greve. trabalhar no sábado é horrível porque parece que não há interrupção na semana, principalmente para mim que sou professor, é atividade para preparar, aulas, coisas para corrigir quase todos os dias, fora do horário da escola e, trabalhar no sábado. enfim, quase enlouqueci. mas o fato marcante do sábado aconteceu no pós-escola. estou na avenida cangaíba, zona leste, em frente ao comércio dos meus pais - loja de 1,99 - quando do outro lado da rua eu acompanho um senhor: começa a cambalear, tenta agarrar-se a um poste, não consegue, cai e começa a estribuchar no chão, se agitar, como tendo um ataque. algumas pessoas que estão atrás dele, outras vindo pela frente vêem ele caindo no chão, se agitando, desviam o caminho e prosseguem. ele tinha caído em frente a loja de roupas, onde fica exposto alguns manequins (bonecos). um cara que vende côco do lado pula por cima dele, entra na loja, sai, pula por cima dele de novo e volta a vender côco. o cara se estribuchando. sabe o que o cara do côco fez? foi tirar um barato com as vendedoras da loja: -"olha, tem um manequim de vocês caído no chão..."

depois de captar, demorar até para entender o que estava acontecendo, consegui ter a reação de ir lá ajudar o cara. chamamos o resgate que demorou mais de vinte e cinco minutos (!). o senhor estava bem confunso depois que conseguimos fazê-lo sentar. não lembrava direito o nome, onde morava, para onde ia. aí o zé-povinho começou a juntar, fazer muvuca. "ah, a gente pensou que ele caiu de bêbado." e se fosse, não é digno de nossa ajuda? a solução é deixar lá, se debatendo, escorrendo, até a água suja levar (teve gente que sugeriu isto)?

SEGUNDA, DIA 22: tive que retirar um aluno da minha sala (7ªC), pois estava muito rebelde, agressivo, além de estar dando tapas, socos, em outros alunos, rasgou na minha frente e jogou no lixo duas atividades que havia acabado de entregar. fui com o aluno até a direção para registrar o ocorrido, solicitar a convocação dos responsáveis. quando retorno para a sala, a porta está meia-aberta. quando a abro, um cesto de lixo cai na minha cabeça(!). o balde não virou, o que foi pior, pois o fundo - duro - do balde bateu bem na minha testa. o sangue subiu, a vista escureceu, minha vontade foi de xingar, bater, quebrar pelo menos o balde em mil pedacinhos. consegui me segurar, os alunos, parados, assustados, esperando a minha reação. fui calmamente a minha mesa, juntei as minhas coisas, disse "boa sorte para vocês", peguei as minhas coisas e saí da sala. veio uma locomotiva atrás de mim, pedindo desculpas, que o balde não era para mim (era para o aluno que eu havia enviado à direção), que ele tinha feito isso com outro em outro dia, o aluno que colocoou o balde se apresentou mas, estava muito triste, chateado. disse que não interessa que não era para mim, aconteceu comigo e foi muita falta de consideração, respeito. poderia ter me machucado. não estava com ânimo, moral, para voltar para a sala.

o triste de toda esta história é que a 7ªC é uma sala que dá muito trabalho, desde o ano passado. sabemos o motivo: muitos alunos com dificuldades, alunos até não-alfabetizados. mas, não damos conta de educarmos os alunos. o sistema não colabora (sala sempre cheia, alunos não faltam), professores não se ajudam, os alunos não se ajudam e... vai ficando cada vez mais difícil.

a coisa boa da segundona aconteceu a noite. a convite do Michel, Raquel e todo o pessoal do ELO DA CORRENTE, fui até o CEU PÊRA-MARMELO, no Jaraguá, participar de uma atividade literária na Biblioteca Paulo Freire, da escola. Mais de cinquenta alunos da escola e de outras, além de pessoas da comunidade, presentes para conversarmos sobre Educação, Cultura, Literatura, além de apresentações, num Sarau. foi uma atividade muito gostosa, rápida demais, livros foram sorteados - mais de 10 livros - e o pessoal foi muito bacana. valeu Elo da Corrente.

TERÇA, DIA 23: na hora do intervalo, fui procurado por quatro alunas. queriam conversar comigo, em particular. consegui uma sala da escola e fomos. e ouvi coisas simplesmente revoltante: uma aluna pedindo ajuda pois estava sofrendo violência em casa. nada de "tapinhas". espacamento, eu diria que tortura. física, psicológica. não quero contar maiores detalhes pois não sei quem acessa o blog, e também para não expor a aluna/caso. mas terça-feira foi um dia muito difícil para mim, com esta BOMBA-RELÓGIO jogada sobre o meu colo.

QUARTA, DIA 24: digamos que eu tive uma pausa para respirar (se é que pode dizer que ficar mais de quatro horas sentado, corrigindo provas, preparando provas é pausa para respirar). a coisa marcante foi ter acabado o meu papel - inclusive o rascunho - e a tinta (a segunda!) da minha impressora, quando estava imprimindo as provas. sim, pois eu faço e imprimo as provas em casa. nove salas, mais de trezentos alunos. o dinheiro? vem do meu bolso. porque se for esperar tudo do Estado, é bom deitar, sentado eu canso.

QUINTA, DIA 25: estou indo para a minha sala de aula, a 7ªA para aplicar a prova, na primeira aula. dois alunos das 7ªs séries estão se atracando-enforcando no corredor. ninguém separa, ninguém intervém. ninguém viu? separo os alunos, mando para as suas salas. coloco todo o corredor para dentro. entro na minha sala, estou apagando a lousa, ouço e vejo um arrastão passando pelo corredor. alunos da 7ªC e D se batendo, dando socos, tapas, chutes. vou para o corredor atrás - porque parece que as coisas ou só acontecem quando estou lá ou ninguém vê, só eu. esta segunda é a mais provável. identifico nove alunos, das duas salas. falo com cada um deles, não pode ficar assim. a sala está se estranhando há mais de uma semana: juntam alguns alunos no corredor, tipo "gangues" e o pau come. e ninguém vê nada, só eu?

detalhe, aqui eu já estou um bagaço, antes de começar a dar a minha aula.

e pra ajudar, durante o intervalo da quinta-feira, teve guerra de comida no intervalo: arroz, feijão, prato, caneca. tudo criou asas, alunos se machucaram, a escola ficou imunda, e eu pensando: primeiro, o que ainda faço aqui? segundo, será que estou ficando louco, só eu vejo, me incomodo com estas coisas? terceiro, o que fazer?

sozinho eu não guento. mas não vejo parceiros suficientes ou pessoas interessadas em resolver ao lado. pelo menos não o suficiente, dentro de minha escola. aí é difícil.

principalmente porque esta semana tive que cancelar o encontro com as meninas do meu coletivo-grupo-brancaleone de estudo. meninas, não desistam de mim. eu preciso de vocês, e eu não desisti de vocês. mas é complicado, na escola não tenho muita ajuda, e quem colabora comigo eu não consigo me encontrar...

a coisa boa da quinta-feira foi a QUINTAS AS OITO, evento organizado pelo grupo CLARIÔ DE TEATRO, em seu espaço em Taboão da Serra. toda última quinta-feira do mês, alguém é convidado. e quem chegou por lá foi o pessoal das Edições Toró, inclusive eu, que assistimos a um vídeo, debatemos sobre cultura, educação, literatura - minha praia predileta - lemos, recitamos, nos abraçamos e ficamos felizes. eu preciso disso para recarregar as energias, senão, não aguento.

SEXTA, DIA 26: resumindo a história, fico sabendo de algumas alunas da 7ª série (ÊITA, SÉTIMA SÉRIE), que estão cabulando aula para se reunir na casa alguns meninos para beber, fumar e... trepar. as alunas que me contaram - o bom que pelo menos os alunos confiam em mim - me confidenciaram porque tentam conversar mais as meninas não ouvem. problema grave aí: meninas de treze anos, "desandadas", se nada fazemos, sabemos o que acontece: ou viciadas, ou grávidas. pior, tem alguns jovens, maior de idade envolvidos. mais um bucha na minha mão, e a pergunta que não quer calar: as coisas só acontecem comigo ou só eu vejo o que acontece?

ainda bem que a noite teve lançamento do livro organizado pelo parceiro Alessandro Buzo, "Pelas periferias do Brasil", vol. II, onde eu pude descontrair, encontrar amigos, abraçar, ouvir um som e "acreditar que sonhar sempre é preciso, é o que mantém os irmãos vivos", porque, acho que você entendeu. sózim eu não aguento.

no mais, a média diária de dormida esta semana foi baixa, menos de cinco horas por noite, estou aqui, acabando de compartilhar o texto, para algum doido ou maluca que tenha tempo de ler algo tão grande, identifique-se com as minhas dores e compartilhe um pouco a minha angústia.

"ouçam as histórias de meus males
e curem a sua dor, com a minha dor
pois grandes mágoas, podem curar mágoas"
Luís de Camões

e fechamos por aqui.

2 comentários:

Mei Hua disse...

Rodrigo, desde que comprei seu livro através do Allan da Rosa acompanho sempre que posso o seu blog. Sou professora da rede pública também e, se serve de consolo (e sei que não serve!), vc não é o único a suportar as agruras existentes na esfera pública educacional. Ultimamente tenho me perguntado constantemente para que estamos educando, afinal? Todas as minhas certezas caíram por terra nesses poucos anos de magistério público. Os problemas existem nas mais diferentes instâncias, das maneiras mais diversas e perversas. Não tenho muito a dizer para um possível encorajamento. Acredito apenas que persistir é necessário, apesar dos revezes (que não são poucos!).
Sou professora de português e trabalhei com um dos seus textos em sala de aula (Perdidos na selva). Os meus alunos gostaram bastante, apesar de muitos terem tido dificuldade em estabelcer as comparações (tão nítidas!) entre a escola e a selva. Também pesquiso sobre a possibilidade de inserção da literatura marginal e periférica no âmbito escolar (mais especificamente com turmas do EF II e EM)e tudo o que isso implica.
Gostaria de conhecer mais sobre o seu projeto "Literatura (é) possível", uma iniciativa formidável. Tentarei comparecer no evento a ser realizado na Ação Educativa(18/10)para ter contato com essa maneira de lidar com a literatura que me pareceu tão orgânica.
E, para nós que ficamos - parafraseando vc mesmo - resta a luta e a resistência.
Um abraço.
Mei.

Érica Peçanha disse...

Puxa, Rodrigo... entrei no blog hoje pensando em postar uma mensagem "mal-criada", reclamando da falta de textos há dez dias. Mas quando cheguei ao final deste texto me senti mal pelo meu egoísmo de leitora. Peço desculpas porque um bom blog, como o seu, vicia. E isso acontece não só porque vc é um bom contista e poeta, mas tb sabe fazer seu leitor se indignar com suas crônicas do cotidiano escolar. Mas a sua vida tem se mostrado mais dura do que as palavras, então de agora em diante, prometo apenas olhar nos seus olhos e dar um abraço pra me solidarizar com suas dores. E me coloco à disposição pro que vc precisar. Força!