Caro Gilberto Dimenstein,
Minha família não é de professores. Meu pai não concluiu o antigo segundo grau, minha mãe terminou apenas a quarta série. Meus irmãos, apesar de toda a dedicação e esforço de meus pais em oferecerem condições e oportunidades de estudar, preferiram largar a escola com quatorze, quinze anos e ir trabalhar. Também não concluíram os estudos, do antigo primeiro e segundo grau.
Fui o primeiro em minha família a fazer faculdade. A escolha? História. Apesar de toda a crítica, apesar de toda contestação dentro de casa: - “Por que não Direito, Medicina? Já que você gosta de estudar, vá ser alguém na vida.” Eu fui. Decidi ser professor. E não qualquer professorzinho. Eu queria ser O Professor. O mais dedicado, a melhor formação. Eu queria transformar a Educação de meu país. Por isso, quando prestei a universidade, apenas duas me interessaram: USP e UNESP. Passei em ambas. Apesar de ter estudado apenas em uma escola pública.
Quando me formei em História na Universidade de São Paulo, em 2005, já tinha o meu emprego garantido. Havia sido aprovado no concurso de professores promovido pelo Estado de São Paulo em 2003, quando ainda estava na faculdade. Meu sonho, o príncipio dele, estava realizado. Seria professor e, no lugar onde queria: na escola pública. Não me interessa o ensino particular.
Sou professor há três anos numa escola pública da Zona Leste. Não acumulo cargo, não tenho outras escolas. Tenho vinte e sete horas aulas por semana e trabalho mais umas quinze horas em casa. Preparando atividades, fazendo leituras. Todas as quartas-feiras reúno-me com um pequeno grupo de professores para discutir a educação, o ensino público, seus problemas, apontamentos de soluções. Estou com vinte e sete anos, momento que deveria ser o áureo da minha carreira mas, estou cansando. Pois já conheço os desprazeres. Não do ensino, uma de minhas paixões. Mas os desprazeres da escola. Os desprazeres deste sistema educacional (falido). Vou explicar os motivos.
Poderia falar de questões estruturais: os alunos de minha escola há dois anos não sabem o que é uma quadra de esportes. Há três anos não conhecem um laboratório, uma sala de informática. Quiçá uma simples sala de vídeo. Até o ano passado estudavam em salas de aulas alagadas, com infiltrações, risco de queda do teto, paredes. Lousas esburacadas. A típica escola pública, em condições muito piores. Este ano tivemos um curto-circuito na parte elétrica que impediu que os alunos tivessem aulas durante três dias.
Mas, para mim, o principal problema ainda não são estes. O problema começa por cima. A minha escola não possui uma “Ângela Bellittani” em sua direção. A minha escola sequer possui uma direção. A diretora de minha escola é ausente, não cumpre o seu horário, não se responsabiliza pela escola, não a organiza. Funcionários e professores não tem apoio, alunos não tem orientação adequada. E o resultado: uma das piores escolas da minha diretoria de ensino (segundo índices do IDESP e do SARESP).
Soluções já foram apontadas. A primeira: minha direção tem que trabalhar, cumprir o seu horário (quarenta horas semanais). Não cumpre. A minha direção tem que ser mais responsável, mais participativa dos problemas da escola. Não é. Ela precisa se preocupar com a qualidade de ensino, em criar um ambiente organizado e educativo no qual as pessoas tenham o desejo de ensinar e aprender, professores não queiram sair, alunos não peçam transferência. Não o faz.
Conversas já foram feitas entre direção, funcionários e professores da escola. Não resolveram. Documentos já foram protocolados junto à direção, cobrando que esta faça o seu trabalho. Nada feito. Denúncias, reclamações já foram apresentadas à Diretoria de Ensino para que esta situação se modifique, a direção seja responsabilizada. Nada aconteceu. A diretora de minha escola possui, há mais de dois anos, dois processos administrativos na Secretaria de Educação e, nada feito. Continua na Direção de nossa escola como se nada estivesse acontecendo.
Como ter prazer de trabalhar num ambiente desses em que a impunidade, o descaso e a injustiça imperam? Onde estabilidade é sinônimo de imunidade? Onde os que trabalham profissionalmente, os que querem aprender são punidos e os que gozam, os que se aproveitam das brechas do serviço público são premiados? O que fazer?
Gostaria que você me ajudasse a responder esta questão, perguntando à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo como que um funcionário que apresenta tamanha incompetência, irresponsabilidade e descompromisso com o serviço público pode continuar a frente da direção de uma escola? É possível?
Precisamos transformar a educação. Resolver os problemas de cada escola, já e um começo.
Atenciosamente,
Rodrigo Ciríaco
Professor de História, com muito prazer.
Um comentário:
Leio a tua carta com sentimentos entrecruzados de admiração, indignação, desânimo e de é-preciso-gritar-ainda-que-sozinho-loucamente. Abraço forte.
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