quinta-feira, abril 24, 2008

do fundo do poço sem fundo


a impressão que eu tenho é de estar mergulhado dentro de um poço. bem fundo. e eu grito, alto. mas as paredes são surdas. ninguém me escuta, ninguém me dá atenção. porque mais importante é falar sobre a menina que foi jogada do prédio. e eu acho importante falar sobre a menina jogada do prédio. é uma vida. criança. precisa ser lembrada, esclarecida. a verdade revelada. como eu gostaria que alguém tivesse revelado, notado ou falado sobre a agressão que três moleques de 15 anos fizeram contra a minha mãe. tentaram assalta-la, tentaram leva-la no carro. ela resistiu. e recebeu socos, pesadas e mordidas. mas talvez as pessoas estivessem ocupadas demais com a menina que foi jogada do prédio. e não ouviram os gritos que minha mãe deu na rua, pedindo ajuda, socorro. as sete da manhã. já haviam pessoas no ponto de ônibus as sete da manhã ouvindo o socorro. o segurança no outro lado da rua ouvindo o socorro. o transeunte no outro lado da rua ouvindo o socorro. mas ele não pode fazer nada. estava pensando em como ajudar a menina.

e eu ainda no meu poço. fundo. não consigo encostar nas paredes. continuo gritando mas, ninguém me ouve. estão ainda falando sobre a menina jogada no prédio, e você viu como o pai e a madrasta choraram na entrevista? mas a voz não embargou, disse o especialista. mentira. e daí eu lembro que o poço não é tão fundo, e o poço sim, é escuro e fundo, mas isso se deve a falta de luz na minha escola, por ter queimado quadro de luz. curto-circuito no painel de energia. há dois dias os alunos da minha escola tem aula no escuro. e quem se importa? quem se importa se eles não tem, há três anos, salas de informática, sala de vídeo, laboratório. quadra. quadra de esportes. o que é uma escola há três anos sem quadra de esportes. não é nada. porque tudo seria descobrir porque aqueles filhosdaputa, assassinos, desgraçados, tiveram coragem de asfixiar uma menina pequena e jogar de um prédio de seis andares num apartamento de luxo, em são paulo. isso é o que importa. e eu não discordo. eu quero saber quem arrombou a porta. eu quero saber quem arrancou a menina da cama, cortou a tela sobre a cama, pisou em cima do lençol da cama e arremessou a menina no chão. isso importa. pelo menos assim quem sabe eles param de explorar a trágica notícia de uma criança e começam a falar das trágicas notícias de outras crianças que não tem direito sequer a sentar numa sala com luz e seu caderninho.

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