terça-feira, fevereiro 20, 2007

Pequena Saga a ser concluída:

Canudos é Aqui (?)

I
Perdidos no sertão
Caminhamos entre o chão rochoso
E tempestades de incerteza
Sobrepujamos o cansaço, a angústia,
O calor e as secas panelas.
Quase tombamos sobre a nossa vontade.

Ao redor
Uma vastidão do nada e da indiferença
Nos faz aflitos
Desejosos de um porto seguro
Um copo d’água
Uma ilusão perdida que possa
Sustentar mais alguns passos.

Quase não acreditamos,
Quando sobre olhos secos
Mareados, quase fechados,
Um prédio cravado, se emerge do chão
Uma construção de concreto,
Mais parece um canto de sereia,
Uma longa faixa,
Do céu ao chão estendida, claramente incendeia:
Canudos é Aqui!
Nós Somos o Sertão.

Acreditamos piamente
Não se tratar de mais uma ilusão,
Deixamos mochilas, deixamos o cansaço,
Deixamos todas as mentiras e os sonhos do acaso
E ofegantes, ainda corremos em sua direção.

Longas passadas, pernas cansadas,
Lembranças de idosos, crianças tombadas,
Não nos enfraquecem, não nos desmobilizam
Canudos é Aqui!

Túnica azul,
Sua longa barba branca,
Antonio Conselheiro vêm em nossa recepção
Espelha-se através
Dos olhos humildes, pequenos e sinceros,
A esperança no sertão.

Seria ilusão?

II
Árduo trabalho se inicia
Buscando fontes de água onde apenas se semeiam
A injustiça, a pobreza, a discriminação.
Ondas de lixo, ratos, baratas são removidas
Dando novo alento
Ao batido vermelho terra chão

Luz a gato clandestina se torna a saída
Para iluminar o moderno lampião
Canos são limpos, a água irriga
Lavando a alma de camponeses operários
Distantes da periferia, cravados no Centro por opção.

Organizamos festas pela nova vida
Ainda incertos pela posse da terra urbana
Entre o sim e o não
Alguma coisa acontece entre nossas vidas
Pouco distante da Ipiranga com a Avenida São João.

Mas o inimigo na seca germina
E não aceita uma organização popular no Centrão
Especuladores, empresários, a Justiça organiza
Reintegração de posse é definida então

Acontece que uma gente pobre quando se organiza
Faz jus a sua luta, de sofrimento e perdão
E contra a gentrificação que a cidade polariza
Erguem barricadas, coragem e força nas mãos.

O ardiloso inimigo se atemoriza
E por três, quatro, cinco vezes investe
Sem sucesso contra os operários da razão
Reorganizam as leis, manipulam a mídia
Para sempre favorecem os interesses da exploração

Tamanha insistência causa apenas desconforto
Mas não a entrega de valentes cidadãos
Que apesar de tudo organizam escolas,
Organizam festas, organizam a biblioteca
E a tornam símbolo maior da (maior) ocupação.

Artistas solidários se mobilizam
E dentro de interesses públicos/pessoais
Somam-se a luta do sertão
Fazem do prédio um foco, a lente do filme
Teses de mestrado, trabalhos de educação.

III
Anos se passam depois que esta luta se inicia
E quando há o meu encontro, ainda há muita sede
Muita disposição
Cavaleiros solidários ainda se fortificam
com unhas e dentes mantém firme a Ocupação.

Novos manejos os poderosos investem
Anulam a força, imprimem um termo de cooperação
Cooptam falsos líderes, investem dinheiro
Dividem o movimento, fraquejam a união

Quase não entendo quando vejo
Numa mística festa
Antonio Conselheiro defende o Sertão
“Daqui não saio, daqui ninguém me tira”
torna-se o hino da voz do povão.

Mas eu pergunto, de que vale o hino Conselheiro
Se nas lideranças não há mais a sede da Ocupação
Se existe o choque entre apoiadores e cavaleiros
Contra o vale coxinha e o Termo de “Cooptação”?

IV
Quanto mais eu corro
Parece que mais longe a esperança e o desejo ficam
Quanto mais eu sonho, mais eu acredito,
Entre acordos, lideranças aos desonestos republicanos
Se entregam.

Cheguei tarde demais?

Onde está a resistência?
Barricadas, trincheiras, sacos de areia?
Não fomos nós que sacamos as armas
Interrompemos o diálogo.
Queremos justiça!
Não haverá luta?

De longe, aumenta o meu desespero
E em segredo, a minha muda revolta
Por fazer eu crer ser possível
Se revoltar por inteiro
Acreditar na justiça,
Num sonho só de ida, sem volta.

Sem destempero, ainda longe da ocupação
Da gigantesca edificação, eu indago
Sem medo, como um insubordinado guerreiro
Canudos é Aqui?

De que adianta ter um Antonio Conselheiro
Se não resistiremos?
De que adianta o domínio, por quase cinco anos,
Se cordeiros, ordeiros, nos entregaremos?
De que adianta tanto empenho, tanta luta
Se sobre os meus olhos estúpidos e ingênuos
vejo pessoas humildes, tão simples
Sendo entregues a serpente e ao veneno.

Lembro-me dos dias em que, incrédulo,
Ouvi e acreditei:
Quem não luta tá morto!
Agora, eu apenas ouço
Quem luta dança
E isso não é apenas uma nova
Marchinha do carnaval.

Abaixo ao resistente sol quente
Tento manter a minha lucidez
E alguma sonoridade para a voz
Pois sei que a dor apenas começa
E ainda se preciso gritarei.

Apesar do vergonhoso acordo
As tropas do governo se preparam
Bombas com efeito, que de moral não há nada
Spray de pimenta, balas de borracha,
Cães verdadeiros e uma estimulada raiva
Novamente eu me pergunto
Canudos é Aqui?

Serão as crianças, presenteadas com vermelhas gravatas
Serão as mulheres, os idosos
Pisoteados como se fossem baratas.
Será o último homem, dizimado
Como se não fosse um nada.

Basta!

A história se repete
E mais parece uma piada.
Não, o sertão não vai virar mar
Apenas novas famílias serão despejadas
Canudos é realmente Aqui
Mas ao contrário, a resistência
Não foi armada
Não será até o último fio da navalha.
As semelhanças se encerram
E principiam apenas sobre suas famílias
Duras histórias de lutas, trabalho,
Sofrimento e privação sofridas
E sobre a onipotência de um governo
Que mais uma vez demonstra
De republicano e democrático
Não há nada!

Basta!

A história se repete
E mais parece uma piada.
Não, o sertão não vai virar mar
Apenas novas famílias serão despejadas
Canudos é realmente Aqui
Mas ao contrário, a resistência
Não foi armada
Não será até o último fio da navalha
As semelhanças se encerram
E principiam apenas sobre o profano/sagrado local
Prestes Maia
Que será dominado, implodido, retalhado,
Escombros para futuros arqueólogos
Sonho e casa perdida para centenas de mulheres,
Crianças e idosos
A desilusão entregue, perdida,
Ao tempo, as dolorosas lembranças,
Ao nada!

(rodrigo ciríaco)

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