quando nos tornamos cobaias deles, ou melhor, objetos de estudo ou colaboradores de seus estudos, eles vêm, fuçam, cutucam, perguntam, raspam, invadem, apertam até você não aguentar mais. depois vão embora, em busca dos seus "dez".
isso que é complicado: é uma via de mão-única. em que apenas uma das partes sai beneficiado. porque o interesse é deles, não seu. são eles que nos procuram, são eles os interessados. são eles os únicos beneficiados. no máximo, o que você consegue em troca, é a citação do seu nome em algumas páginas, a citação numa bibliografia. algumas linhas de estudo sobre o que eles pensam de ti. claro, isso se o universitário se dignar a enviar o trabalho finalizado para você.
eu tenho certa tolerância e paciência a eles pois já fui um universitário. e apesar da preocupação no retorno, na troca mais justa de experiências, estudos, eu também me beneficiei de algumas pessoas. por isso ainda tento ter esperança no ser humano.
mas com esse, eu fiquei bravo. o sujeito em contato comigo há um tempinho dizendo que precisa fazer um trabalho assim-assado, trocando informações via email. o universitário me diz que vai enviar algumas perguntas, pequeno questionário. há uma semana me enviou, onze (!) questões, super-difíceis, complexas. até aí fiquei meio contrariado mas, as questões pareciam interessantes, eu tinha interesse em saber o que pensava daquilo, respondi. aos poucos. durante uma semana. deve ter dado umas três horinhas de pensamento e digitação. até que ontem, ele me envia um outro email: a professora não aceitara a entrevista via email, ele não podia perder tempo, entrevistou outra pessoa. eu não precisava mais responder as questões. obrigado.
ele só não perguntou se eu já havia respondido!
tudo bem, eu já respondi à ele. sem rancores, sem mágoa, viu, Terradonunca. não esquente a cabeça. só não me peça outra entrevista, que eu lhe quebro a cabeça - rs.
e para não perder as questões já respondidas que agora não servem pra mais nada, eu vou publicá-las aqui no blog.
quem sabe algum outro universitário não aproveita, não é mesmo?
***
Universitário: 1- Conte um pouco sobre sua formação escolar. Onde estudou? Como era a escola? Como era sua relação com colegas, professores, funcionários, instituição?
Rodrigo: Estudei na Escola Estadual Profa. Irene Branco da Silva. Fica na Vila Rui Barbosa, subdistrito da Penha, Zona leste de São Paulo. Era uma boa escola na época que entrei e que foi se degradando com o tempo. Havia turmas de todos os períodos (na época, Primeiro e Segundo Grau), e lembro de ter participado de atividades no laboratório, biblioteca, quadra, além, claro, da sala de aula. Utilizei bem todos os recursos pedagógicos disponíveis.
Eu era um CDF na escola. Só que não era um cara fechado, quadradão; pelo menos não depois da oitava série, quando passei a estudar no período noturno. Tive uma relação muito boa com colegas de classe, funcionários, professores da escola, ou seja, com toda a instituição. Claro, até o momento que eu fiz o papel de “bom-mocinho”, pois quando fui tentar organizar uma festa para ajudar um professor muito querido por todos na escola que estava com um sério problema de saúde, tive uma relação conflituosa com a direção, que não queria autorizar a festa. Fiz um abaixo-assinado, colhi centenas de assinaturas, discuti a questão com colegas da escola e, mesmo não tendo realizado a atividade, foi importante para marcar posição e provocar a direção; além de constatar que eles nem sempre faziam o que era melhor para os alunos, mas o que era conveniente para eles.
U.: 2- O que motivou sua escolha pela carreira de professor? Quando tomou esta decisão?
R.: O que motivou mesmo a minha escolha pela carreira foi ter conhecido bons professores de história ao longo de minha trajetória discente, em especial nos últimos anos do Segundo Grau e um professor do cursinho. Mas, como eu falei, eu era um aluno CDF. E gostava de sentar com colegas, ajudá-los nos momentos de dificuldade, participar de seminários, etc. Acho que eu já tinha uma pré-disposição para a carreira docente. Mas a decisão, mesmo, só foi aos quarenta minutos do segundo tempo, pouco antes de indicar a opção nos vestibulares da Unesp e Fuvest. Antes, eu havia pensado também em Psicologia.
U.: 3- Na sua descrição que aparece no livro “Te pego lá fora” é dito que você já recebeu propostas para lecionar em instituições de ensino privado. No entanto, você recusou. Por que esta opção pelo ensino público? Para você, o que está em jogo na oposição entre ensino público e privado?
R.: Primeiro, eu sempre estudei em instituições públicas de ensino. Desde o pré, até a Faculdade (formei-me na USP). Tenho uma convicção de que todo o investimento de dinheiro público que foi feito na minha formação, na minha pessoa, tem que, de certa forma, ter um retorno à sociedade. Acredito que este retorno se dá a partir do momento em que eu faço a opção de trabalhar numa instituição pública de ensino, apesar das enormes dificuldades: administrativa, organizacional, salarial, pedagógica, etc.
Outra coisa é que eu acredito que a Educação deveria ser pública, gratuita e de qualidade, para todos. Sem distinção. A partir do momento que transformamos a Educação em mais uma mercadoria, separamos o que algo é algo de Direito para todos em um objeto de consumo – com variantes qualitativas – disponíveis para poucos, reproduzimos um problema seríssimo: a desigualdade. Então, por isso esta opção pelo ensino público, gratuito.
Hoje em dia eu até repenso esta minha opção em não trabalhar em colégios particulares. Em certos momentos eu acho que até deveria estar lá para provocar esta instituição, provocar os valores que ela traz em si e os valores que os alunos que a freqüentam possuem. Mas não sei se conseguiria conciliar com o ensino no Estado e, dentro da minha chatice, sinceridade e seriedade que compartilho na minha profissão, acho que não duraria muito tempo também.
U.: 4- Conte um pouco sobre suas primeiras impressões como professor. O que mais lhe marcou no início da vida docente? O que foi mais fácil/difícil, interessante, etc?
R.: O que mais me marcou no início foi o “batismo de fogo”, realizado pelos professores. Lembro muito bem da experiência que foi a primeira vez que eu entrei numa sala de professores: as pessoas me olhando, tal qual eu fosse um animal, um objeto estranho. Uma curiosidade excessiva de olhares sobre a minha pessoa, uma coisa invasiva. Eu tinha apenas vinte anos, uma cara de moleque de Ensino Médio na sala dos “Veteranos”. Quando eles souberam que eu era o professor substituto que havia atribuído algumas aulas livres, quase deram risada. O que choveu foi conselho: - “Olha, cuidado. Nessa escola só tem animal.” “Rapaz, bem-vindo. Seja firme, você vai entrar numa jaula.” Foram estas palavras utilizadas. Ou seja, recepção melhor, não podia ter existido...
Para mim o que foi mais fácil foi a relação com os alunos. Descobrir que eles não são aqueles “animais” que os professores apontam. São difíceis de lidar, como toda criança e adolescente algumas vezes são muito difíceis, mas não a ponto de desumaniza-los daquela maneira. Procurei sempre vê-los como gente, como pessoas, em primeiro lugar tratá-los com respeito para poder exigir isso deles. Isso facilitou muito.
A minha maior dificuldade foi com a minha insegurança. A dificuldade em acreditar que eu era capaz de lecionar, que eu podia fazer aquele trabalho. Isso foi, e em partes ainda é, o mais difícil para mim. Com o tempo eu descobri que a experiência prática das coisas vai nos trazendo mais segurança. O tempo é um fator muito importante. E além disso, a preparação, o estudo, são vitais para diminuir esta sensação. Quanto mais preparado, mais organizado em relação ao que ia fazer eu estava, menos inseguro eu ficava. Ainda que nada do que eu tivesse preparado fosse executado da maneira como eu pensei, se eu me preparei, mais seguro estava.
U.: 5- O conjunto de experiências relatadas em seu livro chama a atenção para diversos problemas encontrados em grande parte das escolas públicas atualmente. Gostaríamos que você relatasse um pouco como você enfrenta alguns destes problemas, por exemplo:
a) Em contos como “Cara-de pau”, “Um estranho no cano”, “Socá pra dentro”, “Medo”, podemos perceber uma relação extremamente hostil dos professores e funcionários da escola em relação aos alunos, que são frequentemente insultados, ofendidos, humilhados e até mesmo agredidos fisicamente. Como você lida com esta situação no seu dia-a-dia? Você tem alguma opinião sobre as possíveis causas deste problema?
R.: Com muita revolta. A hostilidade, ofensas, humilhação e violência é uma situação quase que cotidiana dentro da escola. Tanto por parte de alguns alunos, quanto por parte de funcionários e professores.
Da minha parte, eu tento lidar com esta situação através do diálogo, respeito. Algo que não abro mão dentro de sala de aula ou da própria escola é o respeito. Estabelecermos sempre uma relação cordial, onde as regras do contrato – pedagógico – tem que ser claras, o papel de cada um naquele espaço, tem que estar claro. E quando não estão, quando este contrato é violado, por alguma das partes, tem que sentar e conversar. O diálogo, a clareza das coisas é fundamental dentro da escola. E quando o diálogo, a conversa, a clareza das coisas não funciona, sanções, reparações e punições devem ser aplicadas.
Com relação a colegas e alunos, tento orientar, ambas as partes. Se observo alguma postura que não gosto de algum companheiro, tento chegar, conversar. Se for amigo, um bate-papo informal, trocar uma idéia; se não for, expor a situação, o problema em algum espaço legitimado para isso, seja um HTPC, seja um conselho de classe. E, no caso do aluno, eu relato o que ele pode fazer a nível institucional para resolver o problema.
Algumas idéias sobre a causa deste problema eu penso que são: a desorganização do espaço escolar, tanto administrativamente quanto pedagogicamente; a falta de autoridade (não autoritarismo) e profissionalismo por parte de alguns profissionais da educação; a falta de regras claras que definam os papéis de cada um dentro daquele espaço, entre outros.
b) Em contos como “A.B.C.”, “Aprendiz”, “Bia não quer merendar”, “Nos embalos”, “Questão de postura”, “Miolo mole frito”, “A placa”, são retratadas situações que muitas vezes ultrapassam os muros da escola e mostram a extrema violência, em diversos aspectos, a que estão submetidos os alunos. Em diversos casos tais situações chegam a provocar a evasão escolar, como em “A placa”. Como você encara esta situação? E a instituição escolar? Há alguma preocupação com a vida dos estudantes por parte dela?
R.: Vejo isto como um problema muito sério. Na escola, acabamos por estabelecer uma relação humana, pedagógica, social com os alunos, baseada principalmente na confiança. Depois que você está há um tempo na escola – pelo menos um ano, um ano e meio, acredito – desenvolvendo um trabalho sério com uma mesma turma, você consegue adquirir a extrema confiança deles. E com isso, muitos destes casos que aparecem as vezes de maneira superficial – no sentido de só vermos a ponta do iceberg – são apresentados a você de uma maneira mais profunda, mais intensa, até como forma de compartilhar não apenas a violência, o problema, mas a sua solução.
Da minha parte, procuro não me omitir quando vejo uma situação destas. Converso muito com os alunos, com o seu consenso informo a situação à Coordenação, à Direção da escola; se necessário converso com os responsáveis. A questão das drogas, a violência doméstica, o abuso sexual, o trabalho infantil, entre outros, são questões que estão colocadas, existem, não podem ser ignoradas. Só que é muito difícil lidar com isto já que muitas vezes lidamos sozinhos com estas situações. A escola, enquanto instituição, deveria responsabilizar-se, mas infelizmente não o faz, e quando o faz, faz de uma maneira equivocada. Eu creio que os profissionais que fazem parte dela não estão preparados – como muitas vezes eu não estou – mas o maior problema é o desejo de não querer se aprofundar nestas questões, já que elas demandam tempo, responsabilidades e muito trabalho. Somados ao nosso já cotidiano massacrante, estas questões são muitas vezes ignoradas ou postas de lado, o que não resolvem as violências pelas quais estão submetidas estas crianças e adolescentes.
c) Em contos como “Da frente do front”, “Papo reto”, “Perdidos na selva”, “Um estranho no cano”, a situação de tensão constante também parece afetar a relação entre os professores, entre estes e a direção da escola, e daqueles que trabalham na escola com as outras pessoas de seu convívio social. Frequentemente os professores que acreditam na educação pública como um princípio aparecem taxados como “idealistas” ou “ingênuos”, e são coagidos moralmente para se “enquadrar no esquema” e agir como todos os demais. Conte como você lida com esta situação no seu cotidiano.
R.: Olha, algumas vezes eu dou risada, em outras eu finjo que não é comigo. Muitas vezes eu tento apenas ignorar este tipo de comentário, mesmo porque se for rebater a toda hora, a todo instante em que eles são manifestados, não faria outra coisa na escola. Mas há determinados momentos que precisamos questionar estas opiniões e posturas, principalmente quando isso se manifesta quase como uma coerção moral. Mesmo porque senão acabamos caindo na idéia de que não é possível mudar, de que nada funciona, nada dá certo. Algumas vezes eu sinto isto, claro, faz parte, dependendo do dia, dos problemas e situações que enfrentamos, ficamos enfraquecidos, querendo desistir. Mas no dia que eu tiver a desistência total como princípio, como muitos colegas meus já fizeram, eu abandono a escola. Acredito que será mais salutar para mim, para os profissionais que me rodeiam e para os alunos.
U.: 6- Em “Da frente do front” é mostrada a relação conflituosa existente entre os professores e alunos que defendem a escola pública e o governo, responsável por sua gestão. Em “Papo reto”, este mesmo conflito é colocado dentro dos muros da escola, com a direção. Como você enxerga a gestão da educação pública hoje em dia? Ela é democrática? Você considera que possui autonomia para desenvolver seus projetos e seu método pedagógico? Como você lida com isto?
R.: Pergunta um “tantinho” quanto complexa. Primeiro, precisamos definir o conceito do que entendemos por democracia. Democracia é “o poder pelo povo”? Certo. Mas entendo que, na instituição escolar, democracia é a garantia de você ter direitos. Ou seja, uma escola democrática, pra mim, é aquela que garante um bom aprendizado e desenvolvimento do aluno, enquanto estudante e enquanto ser humano. Avaliando por este ponto, nossas escolas não são democráticas. Não apenas porque os alunos não participam das instâncias de decisões – e existem algumas delas que eles não devem participar, já que existe a necessidade de uma certa maturidade e aprendizado técnico, profissional – mas porque eles não estão tendo a garantia dos seus direitos respeitados. Desde o direito mais básico, como o direito à vida e ao desenvolvimento pleno e seguro, quanto o seu direito à educação, cultura, lazer, respeito. Isto não está acontecendo em nossas escolas.
Com relação ao desenvolvimento de projetos pedagógicos, temos autonomia sim. Em alguns pontos, autonomia até demais, eu acho. Pois o fato de não haver uma fiscalização, de não haver uma cobrança sobre o trabalho dos professores, é parte da responsabilidade desta lambança que temos hoje no ensino.
Por outro lado, não concordo com o método que a Secretaria de Educação Estadual está querendo “corrigir” este erros, com os “caderninhos” de proposta curriculares para o ano letivo. Aquilo chega a soar como ridículo. Primeiro porque desconsidera todo o aprendizado, toda a formação profissional do professor, responsabilizando-o pela nossa situação catastrófica por “não saber ensinar”, e as coisas não são bem assim. Segundo, o Estado, com estes cadernos, faz o professor se comprometer com metas pelas quais ele sabe que o professor não poderá cumprir. Por exemplo: em História, nos quatro anos do ciclo II do Ensino Fundamental, parece que somos obrigados a trabalhar a história de “Deus e sua época”, ou seja, tudo. Isto é inviável. Seria muito mais ético fazer com que os professores estabelecessem sim, uma proposta curricular, um programa de trabalho ao longo do ano, mais um programa sincero, nas quais os profissionais pudessem se comprometer com a sua meta e realização real, na prática, e não essa proposta curricular que é quase impossível de se fazê-la cumprir com o aluno tendo o aprendizado concluído – já que esta também é uma questão posta: qual o nosso objetivo? Aplicar o programa, a proposta, na sua totalidade, como eles mandam – ou seja, conteúdo, conteúdo, conteúdo -, ou fazer o aluno apre(e)nder, de verdade, ainda que seja o mínimo e necessário? Das duas, eu fico com a segunda. Prefiro que o aluno apreenda um conteúdo mínimo proposto, com informações elementares à sua vida, e tenha domínio sobre isso.
Que fique claro: não se trata de se comprometer com a “educação mínima”, ensinar apenas o básico aos alunos, não é isto. Mas rever a nossa proposta curricular atual e determinar o que é viável, praticável e possível inclusive para que isto possa ser cobrado e sua execução avaliada.
U.: 7- Por fim, podemos ver hoje em dia uma série de conflitos políticos colocados na cena da educação pública, com diversas greves e protestos dos professores não apenas pelo aumento salarial, mas também contra políticas do governo estadual. Como você vê o papel político dos professores atualmente? Qual a sua importância? Como você enxerga a atuação da APEOESP?
R.: Os professores não tem um papel político atuante atualmente, com raras exceções, é claro. A maioria está de saco cheio de tudo, querendo apenas saber quanto vai cair de salário e pronto. Não os culpo por chegarem nestas situações, muitos deles devem inclusive ter sido “idealistas” como sou hoje e, por conta da estrutura, do governo, da direção, e dos raios-que-o-partam, chegaram a este ponto. Não os culpo por isto. Irei culpá-los se estiverem de saco cheio, cansados e continuarem na rede, empurrando com a barriga, fazendo um péssimo trabalho, enganando os pais, a sociedade, os alunos. Aí devem ser responsabilizados. Mesmo porque, eu fico pensando – agora, neste exato instante – se houvesse um êxodo em massa de profissionais da educação, um grito de “Basta!” emitido pelos professores, talvez o governo tivesse que fazer mudanças que são profundamente necessárias em relação a nossa categoria.
Os professores não são valorizados hoje em dia. E por responsabilidade sua, em primeiro lugar. O docente não se valoriza muitas vezes enquanto pessoa, enquanto profissional – na sua formação. O governo só complementa o trabalho.
A APEOESP deveria servir para alguma coisa, já que é um dos maiores sindicatos da América Latina. Eu ainda estou tentando descobrir para o que ela serve, por isso que sou filiado. E apesar do número de professores sindicalizados, não acho que ela tenha a representatividade em nosso meio como parece. E para mim um dos problemas é que ela mesmo não se leva a sério.
A APEOESP deveria defender a educação, mas ela só sabe defender a corporação. Isso, é grave. Pois o fato de uma pessoa ser professor não significa que ela é uma boa pessoa, um bom profissional. Qualquer ser humano que estude, faça uma faculdade boca-de-esquina qualquer ligado à área educacional pode se tornar um docente, e aí? Por isso ele se torna um cara, uma mina legal? Então não acho que todo professor é defensável, e a APEOESP faz isso – não que não tenha direito de defesa, mas não se pode colocar todos como “santos” como este sindicato muitas vezes faz.
Outro problema da APEOESP é que ela sempre coloca, como carro-chefe de suas reivindicações, a questão salarial. É claro, é óbvio que o professor precisa ganhar melhor, ter um bom plano de carreira, isto é óbvio. Mas uma coisa eu tenho como certa: ainda que houvesse um aumento de 100% dos salários dos professores, não ia ter mudanças substanciais na qualidade da educação paulista. Não creio. O que ia mudar é que o poder de consumo, o poder de compra destes professores iriam aumentar, mas não acredito que isso fosse ter um grande impacto na educação. Muitos docentes não iam abandonar seus outros cargos por conta do aumento, muitos docentes não iam melhorar a preparação de aulas por causa do aumento, muitos docentes não seriam mais decentes, mais humanos na relação com os alunos que eles tratam como lixo, como bicho, muitas vezes, só por causa deste aumento. E o sindicato só fica nesta ladainha: aumento, aumento, aumento.
Acho que tem outras coisas para serem colocadas na pauta de reivindicações, não apenas como adendo, mas como proposta mesmo. Uma coisa já falei é a questão da proposta curricular: fazer uma proposta viável. Discutir, seriamente, o que o aluno deve aprender na escola, o que é possível ensinar durante um ano letivo, já que a história de “Deus e sua época” não é possível. Outra coisa: vamos diminuir o número de alunos por sala. Vinte alunos por sala, já. Pra ontem. Que se construam mais escolas, que se repense os seus horários, não importa. Vinte alunos por sala, já. É um número razoável, satisfatório e adequado para o professor trabalhar, desenvolver diferentes propostas, projetos. Entre outros coisas. Se o professor conseguisse ensinar os seus alunos dentro de uma proposta curricular viável, em que todos aprendessem, trabalhando ao longo de alguns anos letivos numa sala com vinte alunos, tenho plena convicção de que algumas mudanças surgiriam: a) a evasão, problemas de indisciplina, diminuiriam; b) a qualidade da educação melhoraria; c) alunos e professores estariam mais satisfeitos, com auto-estima elevada.
Posso dizer, com toda franqueza, que eu dispensaria inicialmente um aumento de salário se eu tivesse condições pedagógicas, administrativas e estruturais para trabalhar, se eu estivesse satisfeito com o meu trabalho. Ficaria lá, com os meus quatro salários mínimos, sem problema. Nós, seres humanos, não somos apenas material, não é só a massa e o concreto que importam, mas precisamos de realização, precisamos saber que o nosso trabalho, o nosso investimento está rendendo bons frutos, que não é apenas um gasto, uma energia, física, emocional, mental que você aplica e vai pro espaço, não é aproveitada. Se nós conseguíssemos executar ações capazes de fazer com que tenhamos este retorno, com que tivéssemos resultados, seria muito mais benéfico para todos, e acredito que muitos de meus colegas professores estariam satisfeitos com isto.
U.: 8- Gostaria de fazer alguma consideração final?
R.: Apenas que as questões aqui colocadas são bem complexas, que eu não tive o tempo adequado para responder à todas, já que as respostas demandariam semanas, meses de pensamento, reflexão e ação, mais do que apenas a semaninha que tive para fazê-las. Dizer que Educação é algo que eu levo muito a sério, gostaria que as pessoas envolvidas neste meio também o fizessem e, se acha que não dá conta, se acha que não é possível mudar, se acha que não tem o que fazer; se você não está a fim de investir nessa guerra que parece que não terá fim e que não conseguiremos uma transformação, seja sincero contigo, abandone o barco e vá fazer outra coisa da vida. Eu mesmo já pensei em desistir – estou pensando muito nos últimos meses –, mas enquanto acreditar, prossigo. Quando desistir, se desistir, aviso. Gostaria que outros profissionais da educação fizessem o mesmo.
Quem vai começar a mudar a educação não será o governo, não apenas. Seremos nós. Aqui em São Paulo um partido político está há quinze anos tocando o barco e não conseguiu tapar os buracos. Já estamos com a água no pescoço e afundando. Portanto, temos muito trabalho a fazer. Façamos. Não podemos perder mais tempo.
4 comentários:
Olá, sou estudante universitária e gostaria de dizer que sinto muito pela atitude desse "companheiro". Não somos todos tão desconsiderados! Mas é verdade que casos como esse ocorrem com alguma frequencia e são um problema. Em todo caso, foi muito proveitosa para mim a leitura dessa entrevista - acho que ela acabou tendo um alcance maior do que se o tal aluno tivesse usado ela para o seu trabalho. Também quero ser professora, e o seu depoimento me incentiva ainda mais a seguir essa carreira, que para mim é, apesar de todas as dificuldades que você coloca, a principal forma de se promover as transformações sociais de que precisamos.
Rodrigo (vamos ver se consigo mandar esta mensagem),
concordo com quase tudo que você escreveu. Não dá pra questionar o desrespeito do universitário, mas veja só, não apenas com você, mas com o trabalho dele, pois também deve ter queimado pestana para elaborar as questões; leu seu livro como podemos perceber e tudo o mais.
Esse comportamento dele aponta para uma falência de valores generalizada, e acho que um dos grandes buracos é essa insenzibilização para o "outro". As pessoas não tratam mais umas como se deve, ele lhe tratou com algo descartável como deve tratar tudo na vida. Os alunos que terá também!
Aonde eu quero chegar? Acho que pessoas como você são hiper necessárias na periferia, fazendo o trabalho que fazem (e que eu conheço só de maneira indireta), mas devo lhe dizer também que a sua postura como professor também seria necessária no ensino particular. Porque o que você faz é mais do que aquela coisa chapada que chamamos "educação". Suas narrativas, reflexões, enfim, sensibilidade e ética dizem tudo. E sei que você está bem consciente disso.
Sem medo de errar acho que a experiência com os dois mundos, que imagem horrível, seria gratificante tanto para você como para alunos particulares, porque se tratam de gente, que muito poucas vezes são sensibilizados para além de seu umbigo. E também muito poucas vezes
têm a chance de refletir até sobre próprio umbigo, vão numa inércia medonha.
Digo isso, porque estou trabalhando como professora particular e já peguei gente de ensino público, não me pergunte como, e de ensino privado. E há um ponto em que as questões convergem, um buraco muito embaixo. Tive muitos alunos das ditas maiores escolas e que chegaram a mim sem saber escrever! Sem saber articular uma idéia, mas depois deslancharam, muitas vezes depois de dois anos comigo semanalmente. Me orgulho desse trabalho de formiga.
O desamparo é geral, claro que nada se compara ao sucateamento do ensino público. Mas o que eu quero lhe dizer é do sucateamento de gente, que é geral. E, se não houver uma atuação significativa, humana (no melhor sentido da palavra) no ensino privado, o público também vai emperrar, e vice-versa.
Enfim, você sabe das suas escolhas, mas acho que você faz e fará diferença em muitos lugares, porque há um ponto em que todos somos muito parecidos e as falhas e vícios de um ensino equivocado está em todos os lugares.
Bjs, Lu
Bom dia Rodrigo,
Quero dizer que me sinto privilegiada por ter realizado, com você, a primeira etapa de meu estagio, fase esta tão importante não apenas para minha formação acadêmica mas também como uma experiência de vida. Pude ver sua postura de educador, seu comprometimento com os alunos e principalmente o respeito - tecla tão batida por você.
Não pretendo de forma alguma "puxar o saco", até porque você não precisa disto. O fato é que estava muito ansiosa para deixa r meu testemunho a cerca do seu trabalho, mas por conta dos compromissos na Academia não o fiz antes.
O estágio é uma tarefa difícil tanto para o professor quanto para o estagiário, uma relação de incomodar e ser incomodado, mas que de qualquer forma, torna-se fundamental, pois é no momento do estágio que você vê a "realidade concreta da coisa". Não sei se terei sua mesma garra, se lecionarei no ensino público, face às intensas dificuldades que um professor encontra para desempenhar seu trabalho, mas nunca vou me esquecer do que aprendi com você Rodrigo, mais do que as teorias bibliográficas, que não deixam de ser importantes, a prática de ensino.
Muito obrigada por você ter aberto a porta de sua sala para mim, por ter permitido que eu regesse algumas de suas aulas, por ter aceitado o convite da palestra, uma vez que não poderia guardar apenas para mim o aprendizado que tive, mas de compartilhar com meus companheiros de curso sua prática pedagógica, e, por fim por sua paciência.
Mais uma vez, muito obrigada por tudo, de coração, e não permita, nunca, que essa luz que Deus te deu se apague.
Bj,
Fernanda
ué, li agora esse post que mais acima vc menciona ter lhe dado vários problemas = se lhe trouxe problemas, o problema lá longe está maior do que pensava. To me lembrando dos há pouco formandos de medicina em Florianópolis, to me lembrando dos formandos de medicina há alguns anos na piscina da usp, to me lembrando dos trotes regulares dos alunos do mackenzie. Onde está o erro, Wally?
Postar um comentário