sábado, maio 04, 2013

#CRÔNICA SOBRE NOSSO SARAU NA ESCOLA



UM É POUCO? NÃO. UM POR TODOS. TODOS POR UM.

Ele quer fazer parte do sarau.
- Mas ele já faz parte, todo sarau ele tá aqui.
Ele me olha, meio encabulado.
Ele também quer fazer parte da oficina, mas falou que não dá pra vir sempre, porque tem que ajudar a mãe de sábado. Algumas vezes no domingo. Mas eu falei pra ele vir.
- Vocês tem oficina de domingo?
- Não, só de sábado.
- É e... eu também tenho dificuldade na leitura, não sei ler direito...
- Então, você tá no lugar certo.
Antes de sair, falei pra Rê: dá uma camiseta dos Mesquiteiros pra ele. Pra ficar uniformizado.
Acho que ele curtiu.


Eu lembro do Wesley desde o ano passado. Quando a gente foi fazer o primeiro sarau na Biblioteca Municipal Rubens Borba de Morais. Fica a pouco mais de um quilômetro da escola. Juntamos um bonde de crianças, jovens, adolescentes, pegamos uma alfaia, apitos, cornetas; panelas, frigideiras e, com gritos de guerra, saímos da escola em direção a biblioteca para arrastar a comunidade.

O Wesley era uma das crianças, adolescentes que nos acompanharam.

No caminho, muito barulho, agito, bagunça. E foi isso que, tal qual o Flautista de Hamelin, fez com que a galerinha seguisse a música. O bonde. Aqui no caso, para um bom caminho. E Wesley foi, até a Biblioteca. Chegou lá, sentou. Observou. A abertura. As leituras. As pessoas recitando. Ficou quinze minutos. E foi embora.

Pensei: achou tudo uma chatice.

E deve ter achado mesmo. Mas o melhor é que algo ficou, foi brotado ali no Wesley. E meses depois, sarau por sarau, na escola, eu observava que ele aparecia. Que ele fazia parte do nosso coro. Agora, não apenas do cortejo. Do coro do sarau. Vez em quando pegando um livro. Vez em quando indo lá, recitando. E sempre presente. Nos três saraus deste ano, sempre esteve lá.

No sarau de sábado, tomou coragem. Pediu: quero fazer parte dos Mesquiteiros. Pedido assim, inocente, como de quem tem algo mas não sabe que é dele. Ou precisa de alguém apenas lhe confirmar: é seu, pegue. Pois bem, você já faz parte, Wesley.

E ele ficou lá, observando como poderia nos ajudar a montar o sarau. No que poderia colaborar. Depois, escolheu um livro. Pediu para um colega ajudar a ler. Ficou decorando, palavra por palavra, verso por verso, para depois ir lá na frente, recitar. A cada vez que estava certo que havia decorado, falava com a tia Renata, pra ela ver o que achou. E gaguejava, e esquecia. E tentava, tudo de novo. E falava. E treinava. Até ir lá na frente. No palco. Tomar de assalto e recitar. Magistralmente. E ser aplaudido. E fazer tudo lindo. E tornar o nosso dia mais feliz.


Algumas pessoas acharam que não tinha muita gente em nosso último sarau. Em torno de quarenta, cinquenta pessoas. O que não parece muito para um páteo de uma escolha que cabem quase quinhentas, seiscentas pessoas. Mas é muito quando a gente pensa que, num sábado a noite, de frio, dentro de uma escola pública estadual, na periferia da Zona Leste, sem atrativo de bebida, cigarro nem campeonato, quase cinquenta pessoas estiveram reunidas em torno da poesia. Em torno da música, das artes plásticas, do teatro. Da literatura. É muito quando a gente entende que aproximadamente dez jovens e adolescentes, que poderiam estar em qualquer lugar, balada, festa, zoeira ou coisas afins, estão reunidos, organizados, trabalhando, dedicando o seu tempo, esforço e suor para levar arte e cultura para dentro de uma escola na quebrada, sem esperar nada em troca. É muito quando a gente olha para o olho do Wesley, sente ele brilhando, principalmente quando fala: quero fazer parte de tudo isso.

Você já faz parte, Wesley. O sarau foi feito para você. E mesmo que tenha pouca gente, mesmo que os poetas, músicos, escritores, professores, amigos, enfim, toda essa gente que diz que vai aparecer não vá, mesmo que a gente ainda esteja aprendendo a difícil lição de “como trazer a comunidade para a escola”; mesmo que estejamos apenas nós, já valerá a pena. Por ainda termos a você.

Queremos mais. Vamos buscar muito, muito mais. Mas não podemos nunca achar que somos pouco. Nunca seremos pouco quando o que fazemos é muito. Sincero, verdadeiro, de coração. Pra transformação. Pro Wesley. Pra mim. Pra vocês.

(Rodrigo Ciríaco)

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