sexta-feira, agosto 27, 2010

MENTE EM EBULIÇÃO

Nem sei como começar. Sei que tenho que dizer. Escrever.

A parada dói demais pra ficar depurando dentro de mim. Somatizar no meu corpo, virar uma doença. Prefiro botar pra fora, jogar merda no ventilador e depois, limparmos a bosta juntos.

Limparmos? Juntos?

Pra quem não quiser ler, a parada se resume, na minha opinião, em individualismos, falta de comprometimento, solidariedade. "Venha nós, tudo. Vosso reino, nada".

Pra quem não sabe, minha escola é considerada entre as dez piores da Diretoria de Ensino Leste-1. Isso quem diz é o Saresp. E em muito eu concordo, principalmente quando vejo: estrutura, administração, planejamento, organização, corpo docente, participação da comunidade. Estamos entre as piores escolas de São Paulo. E isto há alguns anos.

Eu, que completo na escola cinco anos de trabalho, estou cansado: desta imagem de pior escola, da imagem de alunos "nóias, vagabundos, drogados; putas, galinhas, sem-futuro, sem-esperança, sem-nada". Estou cansado porque eu conheço o meu potencial, tenho comprometimento e dedicação no meu trabalho, deixo muitos projetos pessoais pra ficar por lá - fique claro, por livre e espontânea escolha.

Mas me sinto mal porque estou lá, trabalhando duro há cinco anos. Não são cinco segundos. Dias, meses. São cinco anos.

E assim como o jardineiro que planta quer ver o jardim florido, o pedreiro que constrói quer ver a casa de pé, eu quero ver a minha escola crescer. Mudar.

Estou de saco cheio de gente derrubando o meu muro, destruindo as flores no meu jardim.

Ontem tivemos uma reunião na escola pra conversarmos sobre os problemas. Novamente. Conhecidos há muito tempo: pela Secretaria de Educação, pela Diretoria de Ensino, pela Direção, por professores. Pra quem não conhece, vamos a eles:

- DÍVIDAS (Din-Din): a escola estava com um problema para receber verbas. Tal fato se deve a má administração de gestão anteriores, que por falta de prestação de contas nos anos 2006, 2007, 2008, fez acumular uma dívida na escola de aproximadamente R$ 111.000,00 (CENTO E ONZE MIL REAIS). Estas contas precisavam ser regularizadas para que a escola recebesse verbas. Através do trabalho da direção, conseguiu-se acertar muita coisa, mas a APM da escola ainda encontra-se com uma dívida de R$ 16.000,00 com a FDE, que será saldada em 60 meses.

Olha só que legal: pessoas irresponsáveis, não fazem seu trabalho direito, destroem uma escola, vão embora, e deixam para os que ficam, no caso a APM da escola, uma dívida de 16 mil!

- Falta de Planejamento, Organização: pra começar, a escola não tem um Projeto Político-Pedagógico, que a pense a curto, médio e longo prazo. Não, é sempre o apagar de fogo, é sempre a toque de caixa. Nunca tomamos uma ação, agimos. Estamos sempre REagindo. Estamos sempre apagando incêndios. Algumas vezes literalmente falando. E o que é pior, as coisas simples que combinamos, não acontecem.

- Teoria e Prática, Discurso e Ação: Muitas coisas existem apenas no papel. Ou melhor, não existem no papel, são combinados, avulsos, ao vento. Não valem nada. E o pior, quando se questiona sobre isso, as pessoas, ao invés de reconhecerem que erraram e ok, vamos fazer diferente, ficam na defensiva. Apenas se justificando. Não quero justificativas. Não apenas. Quero ações, atitudes, que mudem comportamentos, mudem situações. Falar apenas não dá.

E outra coisa: a crítica existe não para se falar mal de pessoas, mas para avaliar trabalhos. Então, caros colegas de trabalho, quando conversamos sobre as coisas que não estão dando certas, o faço porque gostaria de vê-las funcionando. Não estou chamando ninguém de incompetente. Se a pessoa assim se sente, não é problema meu. E tem mais: não sou perfeito, também aceito críticas. Mas tem que mostrar o que está fazendo pra poder criticar o que falo e o que faço. Justiça.

Só pra entenderem: dia 16 de agosto foi dia de AVALIAÇÃO DO SARESP, na rede estadual. Todas as escolas pararam pra conversar sobre essa parada. Planejamos, discutimos, falamos e tal. O que acontece na semana seguinte na minha escola? Um CRIME. Qual crime? Uma semana morta.

Já viu uma escola em que na terça-feira tem PLAYCENTER, na quarta-feira visita a uma FÁBRICA, mais TEATRO, mais divulgação de COMPUTADOR, na quinta-feira CINEMA e na sexta-feira AGITA GALERA (ops, cancelado pelo GOVERNO)?

Ok, pode parecer uma programação da hora pra um clube de férias, agora pra uma escola não. Principalmente uma escola com inúmeros problemas que a minha escola tem. Porque colocar tantas atividades numa única semana resulta numa semana morta, com escola quase vazia, com poucos alunos. Além do sarau, que eu postei as fotos, eu não consegui trabalhar nada esta semana. E diga-se de passagem, eu e acredito todos.

Uma semana ótima para quem não quer nada com nada. Como eu trabalho, me sinto incomodado. Mas, vamos aos "folgados"

- Como diria o GOG: “paredão pros parasitas”, ou melhor, respeito as regras. Em todos os lugares existem pessoas muito folgadas. Querem tudo, sem oferecer nada em troca. Em todos os lugares, em todas as profissões. Mas vejo isso mais flagrante, muito mais grave, quando me deparo com estas situações na educação. Caraca, véi, as vezes não temos o comprometimento mínimo com a molecada, com a escola, com a comunidade; com os colegas, com ninguém. Tudo se resume a uma questão de dinheiro e pronto. E uma opção burra, estúpida, de gente que não tem qualificação e competência pra estar em outro lugar, porque estar na educação e pensar apenas no dinheiro... faça-me o favor. As únicas pessoas que ganham dinheiro com educação são os políticos, seus paus-mandados e donos de editoras, construtoras, alguns diretores de escola. É pensando bem, tem bastante gente. Mas, professor, pensando só em ganhar dinheiro na educação, é burrice.

Pois bem, voltando: tem colegas que são assim. Não tem comprometimento nenhum. Não colaboram em projetos, não compartilham responsabilidades. Pior, atravessam e atrapalham os outros: com faltas, diz-que-me-disse, falta de comprometimento na aula (“Hoje não vou dar aula porque estou com o braço doendo. Hoje não vou dar aula porque minha amiga está mal. Hoje não vou dar aula porque de manhã soltei um pum”). E o pior: ninguém chama na chincha. Ninguém “orienta” essas pessoas, colocam elas no devido lugar. O que acontece é que muitas vezes se faz conchavo com essas pessoas, tem privilégios: saem mais cedo, entram mais tarde; chegam atrasados e tiram professores da sala de aula. Fazem troca-troca, permutas, acordos extra-oficiais. O famoso “jeitinho brasileiro”, que não respeita o que deveria ser seguido: as regras, as leis. Porque se elas funcionassem, as coisas seriam diferentes.

Em tempo, ontem ainda tive que presenciar esta cena: alguém chega para um professor: "-Pode vir ao Sarau?" Ele responde: "-Não sei." A pessoa diz: "-Olha, se vier ao sarau, dá para contar como reposição da Greve." O professor responde: "-Ah, eu vou trocar? Eu vou ganhar? Então eu venho." Mas, ainda na dúvida, pergunta: "-Mas eu vou receber neste mês." A pessoa responde: "-Não, só no outro." Aí, o professor dá a cartada final: "-Ah, então eu não venho."

Sim, eu escrevo ficção. Mas isso aconteceu. Na minha frente! Ha ha ha ha ha...

Esclarecendo: muitos colegas dizem que não podem vir ao Sarau (que é uma vez por mês) porque tem outros compromissos, atividades INADIÁVEIS. Mas, se rolar uma merreca, eles até chegam.

Cê acha que eu quero essas pessoas por perto?

Ha ha ha ha ha ha...

Só rindo.

Bom, se alguém chegou até aqui neste relato, deve perceber que eu estou de saco cheio. E estou mesmo. Não do meu trabalho, não de fazer o que faço. Amo, gosto muito. Curto muito estar ao lado da molecada, mas eu quero ver resultado. Eu quero vê-los crescer. To de saco cheio de ver alunos meus deixando de ir pra escola, pra ficar do lado de fora passando droga. Entrando nas biqueira, fazendo fita, virando correria, cainda na Febem, morrendo cedo. Estou cansado da imagem de derrota, desesperança e abandono da minha escola. Estou cansado de ser chamado de dez menos. Estou cansado.

Me considero guerreiro. Bom de briga. Um lutador. E um pouquinho inteligente. Uma pessoa com esse perfil, pra sobreviver, tem que ser no mínimo estrategista. Saber quando avançar e quando recuar. E estou pensando: acho que está na hora de jogar a toalha. Mudar de ares. Partir pro combate em outras frentes. Até porque, dentro desta miscelânea toda que narrei, me sinto sozinho. Ou melhor, sozinho totalmente não, sempre tem mais uns dois ou três loucos que não te abandonam, entram na briga contigo. Mas pensando na reunião de ontem, de outros ontem, de outros dias, a impressão que tenho é que estamos em dois, três, quatro, contra cento e vinte pessoas. E apesar da desvantagem numérica, ainda não caímos. Batemos, socamos, apanhamos, avançamos, recuamos, mas não caímos. Apenas demos uma pausa. Mas não somos bobos. Até quando vamos cair pro pau pra uma briga que é de cara desigual?

E o pior: desigual porque a maioria prefere ficar inerte. Na platéia. Observando. Isso é o que mais me dói. Não ter conseguido agregar, ainda, de maneira suficiente, efetiva pra transformar, o maior número de pessoas. Sejam alunos, pais, professores. Sim, como eu disse, tem alguns. Mas são poucos.

“O que me preocupa não é o grito dos maus. Mas o silêncio dos bons” (Martin Luther King).

E aproveitando a reflexão, lembro do Boal, fazendo uma análise sobre o fracasso do Che na sua campanha na Bolívia: é que diferente de Cuba, em que os revolucionários conseguiram o apoio da população, na Bolívia Che esteve isolado. Sozinho. Isso foi a sua morte, literalmente falando. A CIA apenas apertou o gatilho.

Porque a gente não transforma a vida PARA as pessoas. A gente transforma a vida COM as pessoas.

Não vejo muitas pessoas comigo. Não o suficiente para mudar. Talvez seja a hora de ser estrategista. Reconhecer a derrota na batalha, mudar, pra amanhã não ter que reconhecer que perdemos a guerra.

Mente em ebulição. Para quem acredita em mim, não se preocupe: não desisti. Essa opção não me cabe. Apenas estou cansado de apanhar. Não sou Cristo. Quero também socar, bater.

E no lugar certo!

Rodrigo Ciríaco

P.S.: pra quem quiser saber mais detalhes sobre as coisas que estão acontecendo, com força pra poder colaborar na mudança dessa parada, escreve aí pra gente quem sabe, bater um papo, pensarmos juntos: rodrigociriaco@yahoo.com.br

Um comentário:

Rika disse...

Rodrigo,
Trabalhei pouco tempo na educação como P3, mas consegui entender a acomodação que domina estas pessoas. Você com tua garra, é o Oásis no deserto, por favor não seque. Certamente, muito ou pouco, o que vc faz é o que as crianças tem para contar.
Falta de comprometimento das outras pessoas está diretamente relacionada à falta de comprometimento da direção, porque no mundo do trabalho não é diferente da nossa casa. Os filhos costumam se espelhar nos pais, logo, os comandados esperam exemplos de seus comandantes.
Quando o desânimo bater pense que os errados são eles! E creia-me: SÃO!
Entendo que as vezes nos sentimos sozinhos e impotentes diante de situações, não se revolte com isso! Dá úlcera...
Entenda que vc pode fazer muito, mas com a ajuda deles poderia fazer muito mais, porém, não se culpe se o embotamento os impede de enxergar o que vc enxergou há tanto tempo e com tão pouca idade.
Admiro-te por demais!
Por favor continue! Não prive as suas crianças e adolescentes das suas idéias, das suas ações, da sua companhia!
Rika